segunda-feira, 18 de março de 2024

A fila do bambolê


A fila era extensa, muito muito grande. Dezenas, não, não eram dezenas, eram centenas de bambolês enfileirados. Recebi o bambolê ao adentrar ou sair, não sei bem ao certo. Ele era transparente e cintilante, e não permitia que tocássemos uns nos outros. Era uma espécie de anel de campo eletromagnético com armação flutuante e funcional. 

A temperatura muito agradável, estávamos todos, literalmente, sob enormes árvores floridas, com copas generosas. Achei estranho falar que estávamos sob as milenares árvores. De alguma forma a preposição "sob" virou uma chave temática para olhar para cima. Comecei  a olhar, havia um céu, mas não era um céu como aquele que conheço, onde levanto a cabeça, os olhos e a alma e vagueio pelo infinito, com ciente localização espacial inferior. 

Agora entendia tudo ao mesmo tempo, a mente girando girando, sabia dos céus, dos anjos, dos arcanjos, dos querubins, dos serafins, seria como eu fosse um chatgpt humano, tinha muitas respostas esperando pelas poucas perguntas inteligentes. Estava bem ali, ao alcance das mãos, o Céu dos Céus.

Enquanto olhava, ascendi em direção a um plano superior que pareceu-me familiar. Transcendi este plano, sentado sobre uma luz indecifrável, inefável, que deslizava num derrame de fótons até chegar a um guichê de bancada alta, acima da minha cabeça, de modelo colonial. Do alto e do nada, uma voz feminina perguntou:

- Nome?

- Nome.

- Mais um engraçadinho.

- Senhora, estou só nesta estranha existência, eu acho, não sei bem ao certo quem sou, o que sou e o que está ocorrendo neste exato momento..

- Meu Deus, hoje o dia promete. Senhor, por gentileza, diga o seu nome. Di-ga o seu no-me. Só isto.

- Eu já disse que  não tenho nome. Dezenas de nomes surgem e desaparecem dentro de mim, acho que sou muitos. 

De súbito ela mostrou seu delicado e fino rosto para além do guichê, quase face a face comigo (como ela fez isto?). Tinha olhos expressivos, falou algo ininteligível, badalou um sino e voltei para a fila do bambolê, daí deu um sono imenso e incontrolável, então acordei aqui. Onde é aqui? Agora sei meu nome mas não sei onde estou. Vou esperar que a mulher, que desmaiou ao me ver, acorde e explique porque acho que a conheço, mas desconheço o lugar. 

É isto aí!


segunda-feira, 11 de março de 2024

Cartas de Amor LXXXIII


Reino da Pitangueira,
Planeta Terra&Lua,
3° do Sistema Solar,
Via Láctea, Zona Sul

Querida, não repare a bagunça,

Só eu sei que aqui dentro está tudo revirado, ou coisado como você mesma diz. Acho engraçado você falar que as coisas estão coisadas. Há na boa ordem da língua pátria quem diga que coisado é particípio passado do verbo coisar, que geralmente é transitivo, pois necessita de complemento para constituir o predicado porque não têm sentido coisar por si só.

Como escrever cartas de amor não é minha melhor escolha, já que não sei como traduzir minha parte que é você coisada dentro de mim, fico coisando aqui e ali, até achar um meio de dizer que sonhei com você noite destas, pois sou destes que dormem e sonham apenas à noite. Foi bom, foi ... isto, foi bom, mas foi triste também.

Mudando de assunto, porque homem não chora nem fica coisado, a Sabiá Laranjeira postou quatro ovos, e está lá chocando a vida que a perpetuará, então, dentro de umas duas semanas teremos aumento na família. Plantei um pé de romã e tive que cortar uma palmeirinha que nasceu aleatoriamente num lugar onde não teria sucesso na vida. Além disto estou vendo se as sementes de uva irão germinar.

Queria muito saber escrever aquelas palavras estilosas, românticas, cheias de carinho só por serem capazes de existir no amor enquanto palavras. Sabe, existem palavras vicejantes, que passam dos olhos direto à alma. E destas estilosas e coisadas não domino bem a arte de traduzi-las de dentro de mim para o interior do interior do seu coração. Eu te prometo um dia ser capaz de trazê-las aos seus olhos, aos seus ouvidos, à sua pele e ao sentimento que nos une.

Um cafuné no cabelo, um afago na face, um beijo apaixonado e um abraço do fundo do meu coração para toda você que habita em mim.

É isto aí!






sexta-feira, 8 de março de 2024

Palavras que rimam com você

 


Estava sentado, 

diante da tela, 

janela do mundo,

e vi sua face,

olhos amendoados;

definitivamente

linda e luzidia.

Saudade faz-se

à montante da vida

enquanto o tempo

segue à jusante,

até o ponto

onde ausento.


É isto aí!



Fonte Youtube: Can't Take My Eyes Off You  


Gurt Lush Choir e Gasworks Choirs cantando "Can't Take My Eyes Off You" no Colston Hall no Gurt Gasworks Concert 2012.
  A canção foi escrita por Bob Crewe e Bob Gaudio, e ficou famosa por Frankie Valli.
Liderado aqui por Ali Orbaum. (Com apoio de Sarah Pennington e Sam Burns). Organizado por Dee Jarlett








quinta-feira, 7 de março de 2024

Cartas Avulsas IX

 


Reino da Pitangueira
Terra Redonda&Azul
Lua Minguante
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul


Não, não é uma carta de amor, mas pode vir a ser, depende do que está buscando. Hoje proporei um exercício criativo, com nenhuma possibilidade de ter uma garantia científica. Dito isto, vamos lá ao conteúdo desejado nesta carta.

Primeiro a pergunta que você já deveria ter feito: 

É possível projetar um desejo e criar um campo de memória do futuro, de maneira que a sua realidade siga na direção do desejo?

Sim, é possível, embora não possamos literalmente criar um campo de memória do futuro, podemos explorar como nossos pensamentos e intenções afetam nossa realidade. Vamos considerar isso de forma pedagógica, considerando que você tem um desejo real, mas que ainda não sabe como alcançá-lo. Começa a ficar impossível, mas está ali. 

Existem conjuntos de estratégias, métodos e técnicas com o objetivo de compreender e canalizar suas ações de encontro ao seu destino. Neste caso, deverá permitir que a criança que habita em você conduza o processo. Pedagogia vem do grego “paidos”, que significa “da criança” e “agein”, que consiste em “conduzir”. Legal isto, não é?

Só a criança que habita em você guarda consigo as emoções, os sonhos e vontade de ajudar as pessoas.  

Escreva o que você realmente deseja (depois guarde em local secreto, já que seu desejo é secreto)

Intenção e Foco: Primeiro, defina seu desejo com clareza. Visualize-o como se já fosse realidade. Escreva pelo menos dez palavras que estão vinculadas ao desejo. Concentre-se nessa visão, como uma criança encantada com um brinquedo. Faça isto uma vez ao dia, no horário que estiver mais tranquilo/a. Você perceberá que as palvars que escreveu aos poucos irão se modificando. Sinal de que entrou em movimento. 

Cultive o Desejo: O solo do seu jardim mental é sua crença. Remova as pedras da dúvida e as ervas daninhas do medo. Nutra sua fé na possibilidade de que seu desejo possa se manifestar. Me lebre de falar para você sobre as crenças limitantes, não será hoje. Elas são o bicho papão dos seus sonhos.

Libere a Emoção: A força que alimenta seu desejo é a emoção. Sinta a alegria, a gratidão e a confiança de que seu desejo está a caminho. Essa energia emocional fortalece suas ações.

Tempo e Paciência: Assim como as plantas não crescem da noite para o dia, seus desejos também precisam de tempo. Seja paciente e continue regando com pensamentos positivos.

Acompanhe o Crescimento: Observe os sinais. Às vezes, as oportunidades surgem de maneira inesperada. Esteja atento e tome medidas quando sentir que é hora.

Por hoje é só!

É isto aí!



quarta-feira, 6 de março de 2024

Cartas Avulsas VIII



Reino da Pitangueira
Terra Redonda&Azul
Lua Minguante (nascendo às 01:32)
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul

Não é fácil escrever uma carta para você neste meu silêncio estrondoso de criação, e eu, a debalde, sei que você sabe que eu acho isto tudo uma coisa tão normal quanto seres de Andrômeda  tomando banho de sol numa praia de terras raras, banhada por ácidos cáusticos, sob neblina tóxica (aos mortais humanos). Há de advir de uma dimensão ainda a ser descoberta uma solução para meus absurdos, toscamente redundantes. 

Ocorreu-me num átimo de memória relembrar Camus¹, o filósofo do absurdo, que disse: "O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo." Lembrei disto agora, quando disse dos meus absurdos redundantes. Meu orientador de Filosofia ensinou-me que uma verdade filosófica ao ser exposta a uma criança de sete anos, ela deverá compreender, senão está falso o argumento. 

Estou vendo pela janela do pensamento as coisas que fluidificam na modernidade. Caminhamos para um mundo que não consigo imaginar, daqui a 40 anos não estarei mais aqui, talvez você também não esteja mais aqui, e este planeta estará totalmente modificado. Hão de haver ainda cartas? Não sei, mas no fundo no fundo creio que o caos sobrepõe o caos só para parecer que tudo muda, mas absurdamente nada se modifica, só para sacanear.

É isto aí!


¹CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. 9°ed. Rio de 
Janeiro: BestBolso, 2017 


Música: Oblivion 
Compositor: Astor Piazzolla
Fonte Youtube


sábado, 2 de março de 2024

A fuga do tempo



Você vai lá

e volta triste

para e pensa

tem nada aqui

acho que vou

voltar mas

não quer partir


então revolta 

nada compensa

ficar mal aqui

em triste malta

mas não quer

fugir de si.


É isto aí!


sexta-feira, 1 de março de 2024

Poesia (Alguma poesia) Carlos Drummond de Andrade




Poesia (Alguma poesia)

Carlos Drummond de Andrade


Gastei uma hora pensando em um verso

que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

e não quer sair.

Mas a poesia deste momento

inunda minha vida inteira.



“Alguma Poesia“ é o primeiro livro de Drummond, que foi lançado quando o poeta tinha apenas 28 anos, em 1930.  

Fonte da imagem: Monrovia

Cartas Avulsas VII


Reino da Pitangueira
Terra Redonda&Azul
Lua Balsâmica (nascendo às 21:57)
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul

Poderia ficar horas escrevendo sobre nada, pensando nas possibilidades e variáveis de ser e existir em pelo menos duas dimensões distintas e conviver com esta realidade de forma a evoluir para uma capacidade de dominar percepções conscientes do que acontece e do que rodeia minha existência nos três níveis. É só uma suposição. Nada grave, eu acho.

Ter percepções conscientes pressupõe um subentendido de que sei exatamente tudo que preciso saber sobre a minha consciência, mas onde mora a minha consciência? O que ela faz? Como ela faz? E por que ela faz? Toc Toc Toc ... olá!!! Alguém aí dentro? 

Segundo o Oráculo Cibernético, para o professor Johnjoe McFadden, da Universidade de Surrey, na Inglaterra, a consciência está (ou deveria estar NT) na energia eletromagnética gerada pelos impulsos elétricos que ocorrem entre os neurônios.  Sua hipótese científica foi publicada no periódico Neuroscience of Consciousness

Procurados, o Real Comitê da Consciência da Pitangueira procurou fazer uma síntese da sinopse do resumo da hipótese científica, produzindo um resumo peculiar, que obteve autorização de sigilo por cem anos, para evitar uma histeria coletiva. 

Já o Dr. McFadden em comunicado oficial, afirmou:

“Como a matéria cerebral se torna consciente e consegue pensar é um mistério que tem sido ponderado por filósofos, teólogos, místicos e pessoas comuns por milênios. Eu acredito que esse mistério foi agora resolvido, e que a consciência é a experiência dos nervos se conectando ao campo eletromagnético autogerado do cérebro para conduzir o que chamamos de 'livre arbítrio' e nossas ações voluntárias",

Nota do rodapé do Colegiado Real dos Gênios do Reino da Pitangueira: Entendi nada, mas as palavras estão muito bem colocadas. Agora vá e tome consciência da sua consciência antes que um campo eletromagnético lance mão.

É isto aí!

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Cartas Avulsas VI




Reino da Pitangueira
Terra Redonda&Azul
Lua Balsâmica
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul

Postei no vídeo anterior a música "Sonho Impossível", lindíssima, produzida (letra e melodia) pelo músico nova-iorquino Joe Darion (1917 - 2001). Já era famoso letrista de teatro musical americano, e ganhou fama mundial pela música Man of La Mancha , traduzida e adaptada para o português por Chico Buarque de Holanda. Se desejar a versão brasileira ouvir na voz belíssima de Maria Bethânia, clique aqui.

O fato curioso é que o musical é apresentado em um único cenário que sugere ser uma masmorra. Todas as mudanças de localização são criadas por alterações na iluminação, pelo uso de adereços supostamente espalhados pelo chão da masmorra e pela confiança na imaginação do público. Algumas produções mais recentes acrescentaram mais cenários. 

Diante disto, percebe-se que não se trata de uma versão musical de Dom Quixote, já que nela conta-se a história do cavaleiro "louco" Dom Quixote como uma peça dentro de uma peça, representada por Cervantes e seus companheiros de prisão enquanto aguarda uma audiência com a Inquisição Espanhola.

As palavras "Sonhar o sonho impossível, Sofrer a angústia implacável, etc.," são do musical "O Homem de La Mancha" (Man of La Mancha), portanto, não serão encontradas em nenhum capítulo específico do livro de Miguel de Cervantes, "Dom Quixote", mas sim na trilha sonora do musical.

Onde quero chegar nesta caminhada?
Gosto de perceber na peça teatral, que ficamos presos na masmorra do tempo, das dores da vida, mas mas mesmo assim não finda o desejo de sonhar um sonho impossível, seguido de outro, de outro, de outro, de outro ... impossível sonho.

Essa é a minha busca.

É isto aí!

Sonho impossível (Chico Buarque/Joe Darion)

 


Fonte Youtube: Arranjo e Regência : Júlio Battesti



Sonho Impossível (Chico Buarque / Joe Darion)

Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder

Vencer
O inimigo invencível
Negar
Quando a regra é vender

Sofrer
A tortura implacável
Romper
A incabível prisão

Voar
Num limite improvável
Tocar
O inacessível chão

É minha lei, 
é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão

Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz

E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão

E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

Composição: Chico Buarque / Joe Darion.


 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Cartas Avulsas V



Reino da Pitangueira
Terra Redonda&Azul
Lua Balsâmica
Sistema Solar
Via Láctea
Zona Sul

Recebi a mensagem de uma leitora que apresenta-se como "Moça fiel do Reino da Pitangueira". Fez elogios, disse que gosta muito de vir aqui, pediu para não publicar a mensagem original e deixou cinco perguntas, das quais sugeriu que eu escolhesse pelo menos  três para responder, conforme minha livre escolha:

1 - O que aconteceu com o blog nesta semana final de fevereiro?

2 - Cadê as "Cartas de Amor" antigas? 

3 - Por que as cartas avulsas (gostei do estilo) são numeradas se são avulsas?

Vamos às considerações que preenchem a lacuna entre as perguntas e as respostas:

Considerando que na astronomia estamos na fase lunar da Lua Balsâmica, que ocorre nos últimos dias do ciclo lunar, imediatamente antes da Lua Nova e que durante essa fase, a Lua vai diminuindo em tamanho aparente no céu, parecendo minguante;

Considerando que a Lua Balsâmica é um momento celestial propício para deixar ir o que não é mais necessário em nossas vidas, para finalizar projetos pendentes e para preparar-nos a um novo ciclo que começa com a Lua Nova;

Considerando o ensinamento do Mago da Pitangueira de que esta ocasião lunar é associada à conclusão, reflexão e liberação dos obstáculos da vida;

Considerando que a Lua Balsâmica é um período de limpeza emocional, de introspecção e de libertar-se de padrões ou situações que não estão mais servindo ao nosso crescimento;

Considerando que é um momento para descansar, recarregar energias e se preparar para o renascimento que ocorre com a Lua Nova; 

Vamos lá concluir, refletir e liberar as informações e reclames da Moça fiel do Reino da Pitangueira: 

Respondemos aos seus reclames:

1 - O que aconteceu com o blog nesta semana final de fevereiro?
    Meu desejo era dar uma repaginada e reformular todo o projeto Pitangueira, mas refleti melhor, vi o tamanho do desafio e vou aguardar mais para frente; então, por enquanto, deixarei como está.

2 - Cadê as cartas de amor antigas? Vai republicar? 
   O Real Serviço Postal do Reino da Pitangueira informa que estão provisoriamente guardadas. 

3 - Por que as cartas avulsas (gostei do estilo) são numeradas se são avulsas?
      Padronização organizacional da Pitangueira, simples assim. 

É isto aí!

     





terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Cartas avulsas IV




Reino da Pitangueira
Novo Mundo
Planeta Terra&Lua
Via Láctea
Zona Sul

Perdi uma palavra no caminho até esta carta. Engraçado isto, porque ela parecia-me tão óbvia, tão clara, e de repente sumiu, assim, no vazio existencial (ou não), mas mesmo assim vazio, agora preenchido pela palavra perdida. 

Quantas cosias mais perdi na jornada da vida, assim mesmo, por burrice, por raiva, por  ciúmes, por má formação congênita de ferramentas emocionais melhores. Hoje sei o nome de cada dor, de cada emoção negativa, mas até ontem achava que aquilo era eu num livre arbítrio. Levei anos para descobrir que livre arbítrio só funciona em sonhos lúcidos. O resto é dor.

Outro dia assisti uma palestra onde o ser iluminado disse laconicamente: Suas emoções o dominam porque o seu lado emocional sequestra, literalmente, o neocórtex, a área cerebral responsável por regular o seu comportamento. As consequências, nem sempre são as melhores. Pensei comigo - caramba, este cara merece o Nobel, salvou o mundo das neuroses e dores e cruzes e sofrimentos e mágoas e traumas e desumanidades e tudo o mais que dói.

Também já li em lugar incerto  não sabido que são as crenças limitantes, este mal que está levando o planeta ao caos, promovido pela evocação do passado, ou até mesmo de memórias ocultas ou uma memória traumática da primeira infância. Acho, do tipo achismo literal, cultural e randomizado de que estes são os principais motivos, pelo qual esqueci a palavra. Ou não? Pode ser ato falho, vai saber ... vai saber ...

Na verdade, na verdade, como já disse o poeta:

tem dia 
que tudo 
que a pessoa 
precisa 
é da outra 
pessoa

com cafuné 
no cabelo
afago na face
beijo apaixonado
e um abraço 
apertado

É isto aí!



sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Cartas avulsas II




Reino da Pitangueira
Minas Geraes
Planeta Terra&Lua
Via Láctea
Zona Sul

A carta II que fora reescrita no futuro do presente, mas que de fato estava no futuro do pretérito do indicativo, referia-se à vida que poderia ter acontecido posteriormente ao pretérito, expressando incertezas prestimosas, surpresas alegres e dignação à vida.

Imagine um pretérito perfeito. Então saiba que ao imaginar assim, desta maneira, a partir dai todos e quaisquer verbos conjugados no pretérito perfeito do indicativo indicariam que a ação verbal aconteceu num determinado momento do passado, tendo o seu início e o seu fim no passado. Este é o ponto da nódoa, da mágoa, da tristeza: indicariam, dito assim desta maneira, no futuro do pretérito.

Perpetuamos a inflexibilidade diante do direto natural das coisas, afinal, se até a obliquidade da eclíptica possui variação de ângulo, fazendo com que a radiação solar chegue de forma diferente em cada hemisfério terrestre de tempos em tempos, provocando as variações glaciares, que são períodos de longos verões e longos invernos, por qual motivo não seguimos o curso natural das coisas?

Ocorreu-me, como uma explicação natural: a de que nos perdemos no deslocamento do periélio, no exato instante que o movimento dos nossos destinos sofreu uma inefável variação da órbita dentre nós.

É isto aí!




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Santo de casa


Título do quadro: O Violeiro (1899)
Autor: José Ferraz de Almeida Jr. (1850-1899). Pintor brasileiro. 
Pinacoteca do Estado de São Paulo. Brasil.
Fonte da imagem: Wikipédia

 Zefa!!! Ô Zefa!!

Que foi Zé?

Zefa, faz favô de olhar na folhinha dos sagrado coração de Jesus, de que Santo que é hoje o dia?

Tem isso na folhinha, Zé?

Claro que tem, sô. Olha lá prá nós.

Mas que melda, eu cheia de serviço, você bonitão aí na viola atrapalhando meu dia.

Pode deixar, Zefa.

E pode pelo meno me dizer o causo do porque queria esta informação?

Nada não Zefa, bobagem minha.

Oia aqui, Zé, vai falando que já estou ficando esbaforida. E olha esta vassoura na mão, louquinha para te dar de pau nas costas.

Misericórdia, Zefa, então eu conto, mas você tem que prometer guardar segredo.

E eu lá sou muié de espalhar fofoca, homi?

Jura mesmo que não vai contá prá sua mãe, suas irmãs e sua cumadre?

Nossa, Zé, mas o que é este cerceamento de diálogo? Nem prá mãinha? Nem prá cumadi Zenólia? Misericórdia. Quero saber mais não. Deve ser até - modi dizer - estes pecado que andam por aí. 

Eu sabia, Zefa, que ocê já lá ia contá tim tim por tim tim

E daí? Mió contá do que calar das novidades na roça. E não é fofoca, é uma rádio de ondas curtas, que só fica ali entre nós e onde atualizo as coisa.

Zefa, num tem segredo secreto. Sua mãe tem as irmãs dela e as cunhadas, sua irmãs tem amigas, a cumade então é mais conhecida que pé de mamona. 

Nossa, Zé, inté parece que estamos falando para o mundo todo...

Ainda não, Zefa, mas vai chegá este tempo ...

É isto aí!


A Bela Adormecida da Pitangueira


Lembro que era um sábado de maio, o casamento seria na Igreja Matriz de Nossa Senhora das Candeias, às 16 horas. Ocorreu que do entardecer da sexta-feira até a alvorada do sábado, convidados, parentes, amigos e desconhecidos entravam e saiam da casa  ininterruptamente, para comer e beber até atingir o limite da gula.

Naquela noite ninguém dormiu. Bandinha no forró sob o céu de maio animava a festa e espalhados em mesas enormes, sob tendas, no quintal, estavam as comidas, pratos e talheres. Uma mesa guardava leitão, carneiro, galinha caipira, carne bovina, linguiça, carne defumada, torresmo,  miúdos diversos, molhos, vinagretes e pão. Era a mais requisitada delas , com um ir e vir da cozinha incessante. 

Em outra mesa, caldeirão de arroz, caldeirão de feijão, tropeiro, farofas, batata de tudo quanto é jeito - palha, purê, inteira, empanada, em conserva, etc.. Salada fria, salada crua, salada de alface, salada de frutas, salada com pimenta, salada com frango desfiado, etc.. Nas pontas estavam salgadinhos pedindo para serem devorados e pela facilidade de acesso, eram consumidos às dúzias. 

Na última mesa havia pudim de caçarola, pudim de paçoquinha, quentão, bolo de milho com cobertura de chocolate, broa de milho, pé de moleque, canjica, canjicão, bolo de laranja, de limão, de cidra, cocada aranha, cocada preta, cocada branca, cocada com leite condensado, balas diversas, bombons e frutas cristalizadas, além do sorveteiro, do pipoqueiro e do algodão doce.

Num balcão da enorme varanda, dando para os fundos do sobrado, estavam as bebidas como chopp, cachaça, vinhos, refrigerantes, água mineral com e sem gás, destilados diversos. De maneira incrivelmente anômala, as pessoas se dirigiam às mesas das comidas, doces e bebidas por múltiplas vezes e depois dançavam, comiam, cantavam, bebiam, conversavam e se divertiam freneticamente.

Sete horas da manhã do sábado chegaram as meninas do salão. Os noivos ainda brindavam o dia tão esperado, já dominados pelo álcool. A bandinha ainda tocava com todo o gás. A noiva foi colocada num quarto do segundo pavimento, as madrinhas e a mãe em outro quarto e ficaram ali sob os cuidados da beleza até as 14 horas aproximadamente.  

Quando deu por volta das 15 horas, chegaram os táxis, ubers, etc, numa fila enorme, e começaram a levar os convidados, as testemunhas, as madrinhas, os padrinhos, as crianças, o coral, os arranjos, as cestinhas com pétalas, o noivo, a família do noivo, os convidados idosos, etc., esvaziando a casa, trancada pelo pai da noiva, que acompanharia a filha na limusine do Dr. Zequinha.

16 horas e trinta e seis minutos  - toca a marcha nupcial - todos se levantam e olham para a porta que dava para a praça. Alarme falso, era uma convidada atrasada. O zum zum zum do descontentamento começa devagar e vai num crescente. Cadê a noiva? Cadê a noiva? Cadê a noiva?  O pai vai ao microfone e pede calma, com certeza aquilo logo seria resolvido. Eu tenho certeza que ela veio, pois estávamos juntos eu e o Dr Zequinha Moreno, que a trouxe no seu automóvel. 

17 horas, a igreja vai se esvaziando. Uma a uma, as famílias saem algumas curiosas, outras preocupadas enquanto desaguava a maior chuva já vista na cidade em pleno maio. O noivo teve uma crise de pânico e foi levado ao hospital. 

Dr. Zequinha, ao chegar em sua residência sob chuva torrencial, numa cidade a cerca de uma hora da Matriz, resolveu abrir a porta de trás para dar mais uma conferida. Talvez encontrasse alguma pista do desaparecimento, um bilhete, um sinal, qualquer coisa. Mais que isto, deparou-se com a noiva dormindo placidamente sobre os macios tapetes, no piso do carro, escondida entre os bancos, coberta com um paletó, que há muito estava esquecido e dado como perdido, aguardando, quem sabe, a oportunidade de esconder e aquecer a moça. 

É isto aí!

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Faltam palavras


Tudo bem, faltam as palavras, estas unidades da língua, situadas entre dois espaços vazios. Então agora sei pelo menos o que falta. Dia destes num pretérito perfeito dei por falta de mim quando saí da razão e mergulhei no esplêndido vazio total. Descobri que eu fazia muita falta, e tive que reiterar a união corpo/espírito/mente ao ver a burrice inútil da minha luta para continuar o plano de fuga.

Por raios de quais motivos que ficamos presos aos erros os mais ridículos da vida? A conclusão que chego é que não são os erros que ferroam o presente do indicativo, e sim os ridículos derivados deles. Isto nos vulgariza pela  somatória dos atos esquisitos, dos delírios estrambólicos, dos sonhos excêntricos, dos desejos extravagantes, enfim, para doer mais que obturação sem anestesia, não há uma maneira radical de evitarmos os pensamentos heteróclitos, insignificantes e risíveis.

Dia destes passei o tempo escolhendo as músicas com as quais dançaríamos por horas até até até (sim, muitos atés) lembrar que não danço dois passos seguidos em compasso. Sou uma nulidade com disritmia ao ser levado pelas melodias. Aí fiquei pós pensando em algo para entretê-la, hummmm. já sei - contar piadas.- só que não, afinal sou um analfabeto piadético. 

Como vê, hoje  faltam palavras. 

É isto aí!




segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Cartas avulsas III


Reino da Pitangueira
Minas Geraes
Planeta Terra&Lua
Via Láctea
Zona Sul

Preciso dizer-lhe que ocorre um déjà vu quando penso em você. Não fecho os olhos de saudade, nem revelo as muitas coisas que tenho sido e tido, afora a não felicidade. 

Mais que isto é no mínimo plágio sobre as três últimas  estrofes do belíssimo poema de Cecília Meireles, Marcha (O poema “Marcha” faz parte da obra Viagem (1939), responsável por marcar a autora no cenário literário brasileiro). 

Parte final do poema Marcha/Cecília Meirelles, 1939:

"Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.

Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.

Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento."


Não escreveria esta carta se já não a tivesse feito. Algo assim como o déjà vu explicitado acima entre o poema e a canção. De tal forma que seria uma carta avulsa II, mas a convicção revela-me que de alguma maneira incide a virtualidade sobre a realidade, na qual, por coerência com o delírio, acabei cedendo ao acaso.

É verdade que sempre tive aquela sensação de já ter visto ou vivido uma memória que está acontecendo entre um ponto determinado e aquele instante onipresente e transdimensional. Desconhecia o significado ou porque ocorria você, porém ao longo dos anos, acessando diversas teorias científicas, coerentes ou místicas, percebi ser inútil explicar o óbvio. Apenas penso em você.

É isto aí!








quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Discutindo relação



Tudo começou quando estava triste, pensando em Odete, a musa do Reino da Pitangueira, e nas pequenas tragédias pessoais que vão se acumulando dia após dia. Então a vida é assim mesmo, filosofei, nós outros é que somos teimosos e ingênuos.

No youtube o conjunto The Mills Brothers cantava repetidamente You Always Hurt The One You Love. Acabei adormecendo na poltrona e mais uma vez ela apareceu no sonho, e no somatório das antecedências e consequências, misturei letra, música, diálogos reais e oníricos, e ficou assim a discussão da nossa relação etérea:

- Você é tão bonita, Odete. Estamos juntos a tantos anos ... Preciso perguntar: você realmente me ama?

- Hum, primeiro o afago na minha vaidade e depois a busca da resposta que o incomoda tanto.

- Como pensei; você sempre magoa aquele que você ama.

- Uau, bastante perspicaz sua visão de quem sou eu nesta relação.

- Vê agora? Não consegue olhar nos meus olhos, aquele que você não deveria magoar jamais.

- Então é isto? Você é a vítima da megera das relações complicadas?

- Você me ama? Sim ou não?

- O que o faz ter tanta necessidade desta resposta? Se eu disser sim, terá dúvidas eternas. Se disser não, passará a vida acreditando que era um sim invertido só para castigá-lo e mantê-lo sob minha malvada guarda passional

- Você não tem sentimentos. É uma mulher capaz de pegar a mais bela rosa e esmaga-la até que as pétalas caiam, só pelo prazer de vê-la perder sua beleza.

- Puxa vida! Então é assim que você me vê? Palavras duras não mudam o mundo, mas sim atos e ações.

- Veja só agora esta cena, por exemplo, onde você, diante dos meus sentidos e sentimentos expostos, está a perscrutar meu mais íntimo amor utilizando da técnica peculiar de quebrar meu coração.

- Cuidado com as palavras apressadas, moço, das quais você não lembrará amanhã, pois se eu parti seu coração nesta noite mal passada, é porque eu te amo acima de tudo.

É isto aí!

You Always Hurt The One You Love
Cantoers: The Mills Brothers
Autores: Allan Roberts / Doris Fisher.
Fonte: Letras

You always hurt the one you love
The one you shouldn't hurt at all
You always take the sweetest rose
And crush it till the petals fall

You always break the kindest heart
With a hasty word you can't recall
So if I broke your heart last night
It's because I love you most of all

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Cartas avulsas I


Os Amantes II. René Magritte. 1928 – Óleo sobre tela 

Cartas avulsas I

Reino da Pitangueira
Planeta Terra&Lua
3° do Sistema Solar
Via Láctea, Zona Sul

Na verdade, assim, dito na verdade mesmo, não sei o que escrever. Sim, sei, sou um canalha passional. Pelos arcanjos da redenção, isto é muita coisa, melhor reduzir a pena com pedido de perdão. Lembrei dia destes de você sorrindo, foi muito engraçado, tinha algo preso ao seu incisivo superior direito e sua meia estava com um furinho disfarçado de dobra.

Não que eu tenha notado assim, de pronto, mas o fato que você me anestesia de tal maneira que o tempo para, e minha mente fértil flui aos seus olhos ciganos. E, puxa vida, que delícia é olhar seus olhos ciganos arregalados. Sim, sei, você me proibiu dizer que é uma delícia. Tudo bem, acho que posso superar isto. 

O motivo de escrever-lhe esta carta é que não preciso de motivo para falar de você, com você ou desejando você, afinal estamos ainda num estado passional de direito. É um trem sobrenatural. Dia destes  acompanhei pelo pensamento sua caminhada para a sessão de ginástica. Confesso que tenho ciúmes daquele personal trainer, sei lá, acho ele meio engraçadinho demais para o seu lado.  

Falando em demais, estive quase atentado a provar daquele vinho que você gosta, mas achei que seria demais para mim. Em matéria de vinhos sou muito fiel ao meu gosto, por favor, não chore, nada pessoal, mas pelo menos estive com a garrafa na mão, enquanto na loja. Daqui  a pouco é Natal, hem.. muita coisa daqui até 25 de dezembro, inclusive nada. 

Um beijo


 


A absurda felicidade


Aos 
olhares
alhures
curiosos
de outrem 
levava uma
vida estranha

risível, 
jocosa, 
absurda,
ridícula, 
esquisita, 
excêntrica, 
heteróclita;
desregulada
estrambólica, 
extravagante.

E mesmo assim
estranhamente 
sempre feliz
nunca soube
que na vida
para existir
felicidade
precisava 
de rótulos.

É isto aí!