A Igreja católica nunca retirou São Jorge do seu calendário
litúrgico. Do ponto de vista histórico-crítico, as fontes existentes são
suficientes para corroborar a existência de um cristão chamado Jorge que morreu
por causa da sua fé católica na Antigüidade cristã e outros testemunhos, embora
reduzidos, nos dão a certeza de que ele existiu.
Em Lydda (Dióspole), perto de Tel Aviv, em Israel,
venerava-se o sepulcro de São Jorge antes do séc. VI. No mesmo período,
Antonino de Piacenza e Adam-nano atestam o mesmo. Os restos arqueológicos da
basílica cemiterial ainda hoje visíveis são atribuídos a uma construção
constantiniana, como quer que seja muito próxima da morte do mártir. Além
disso, uma epígrafe grega, encontrada em Eaccaea de Batanea e datada do ano 368
por Delehaye, fala de uma “casa dos santos e triunfantes mártires Jorge e
companheiros”. Não se sabe onde nasceu, mas segundo alguns teria sido na Capacódia
(hoje Turquia), e teria vivido na Palestina como tribuno militar.
A respeito do ano do seu martírio, Ruinart o fixa no ano de
284, seguindo o Chronicon alexandrinum seu paschale (PG, XCVI. col. 680).
Parece, porém, ser mais provável que se deu no ano de 303, durante a
perseguição de Diocleciano. Logo em seguida, entre os séculos IV e V, o nome de
São Jorge se difundiu rapidamente no Oriente, a ponto de ter sido usado por
vários soberanos na Geórgia. Também no Ocidente o seu culto se espalhou, sendo
testemunhado por volta de 527 em Roma, quando Belisário confiou à sua proteção
a porta de São Sebastião. No séc. VI encontramos uma igreja dedicada a São
Jorge em Jerusalém. São Gregório de Tours (+ 594), na obra Miracolorum liber
recorda a transladação de suas relíquias a Limoges e a Le Mans. O Papa Zacarias
(+ 752), de aprimorada formação intelectual, teria encontrado o seu crânio.
Segundo alguns relatos, São Jorge teria sido decapitado após inúmeras torturas.
Os calendários litúrgicos orientais indicam a comemoração de
São Jorge no dia 23 de abril. Na mesma data o celebra o Calendário marmóreo de
Nápoles, Itália, do séc. IX, de influência bizantina, o que em geral foi
seguido pelas igrejas no Ocidente. O Sacramentario Leoniano do séc. V contém os
textos da Missa em honra a São Jorge mártir usadas na igreja de São Jorge in
Velabro, Roma.
A prova de que São Jorge foi um personagem importante na
história do Cristianismo se deve ao fato de que muitos quiseram, a seu modo,
escrever-lhe uma pequena biografia, chamada de passio, onde história e lenda se
misturam. Dentre as mais famosas está uma escrita em latim que serviu de base
para o panegírico redigido por Santo André de Creta (séc. VIII) em homenagem a
São Jorge. O já citado São Gregório de Tours e Venâncio Fortunato (+ ca. 600)
também exaltaram a sua pessoa. Na Liturgia bizantina São Jorge é celebrado
também a 3 de novembro, reconhecido junto com outros santos como “megalomártir”
(grande mártir).
Um destes relatos medievais merece ser citado, mesmo que a
crítica histórica hodierna o coloque em xeque. Com efeito, vendo os sofrimentos
de São Jorge, a imperatriz Alexandra, mulher de Daciano (Diocleciano), se
converteu ao cristianismo e por isso também foi condenada à morte. Ela não
havia ainda recebido o Batismo, e se perturbou com isso; São Jorge, porém, a
teria consolado com estas palavras: “O teu sangue derramado será para ti
batismo e coroa”.
Curiosamente, na tradição islâmica São Jorge recebe o título
de “profeta”, e o relato dos seus gestos, a partir de Wahb ibn Munabbih (+ ca.
728-33), reproduz quase literalmente a versão siríaca da redação mais antiga de
uma de suas lendas, acrescentando-lhe, porém, a devoção à luta contra o dragão
em Lydda ou Beryto.
A propósito, a iconografia do santo o representa, a partir
do século X no oriente cristão, como um jovem sem barba e sem algum atributo
especial, acompanhado geralmente de São Demétrio. Com o passar do tempo,
torna-se cada vez mais frequente sua representação com uma couraça e com
marcada caracterização heróica. É no ocidente europeu, a partir do século XII,
que vem apresentado a cavalo, no ato de matar um dragão. Tal modelo é seguido
particularmente pela arte gótica tardia na França e Alemanha, bem como pelo
Renascimento italiano. Exceções houve, como é o caso da belíssima estátua de
São Jorge sobre a fachada de Orsammichele em Florença, Itália, obra do artista
italiano Donatello (1415-1417).
Em uma das mais furiosas batalhas na Terra Santa, no ano de
1089, os combatentes cristãos (os cruzados, unidos aos ingleses e genoveses)
teriam sido ajudados por São Jorge, acompanhado por esplêndidas criaturas
celestes que traziam numerosas bandeiras nas quais tremulava a cruz vermelha
sob fundo branco, símbolo já conhecido dos genoveses.
São Jorge, além de ter dado o seu nome a cidades e a países,
foi proclamado Padroeiro de cidades como Gênova, Moscou, de inteiras regiões
espanholas, de Portugal, da Catalunha, da Geórgia, da Lituânia, da Hungria, da
antiga Checoslováquia e da Inglaterra, sendo esta última com a solene confirmação
do Papa Bento XIV. Em 1415, o arcebispo inglês Chichele introduziu a festa de
São Jorge entre aquelas mais solenes do ano. Entre os seus mais famosos
devotos, está o Rei Ricardo “Coração de Leão”, que chegou a “nomear” São Jorge
o comandante de uma expedição cruzada!
Mais de 20 cidades na Itália recebem o seu nome. Em Ferrara
se encontra a Catedral de São Jorge, consagrada em 1135. No Egito há mais de 40
igrejas a ele dedicadas.
Na hagiografia recente existe um curioso relato. Rafqa
Pietra Choboq Ar-Rayès (1832-1914) teve uma visão de São Jorge, São Simão o
Estilita e Santo Antônio Abade em um momento de crise vocacional. Por causa
desta visão ela ingressa na Ordem das Monjas Libanesas Maronitas no mesmo ano
(1871). Foi beatificada por João Paulo II a 17/11/1985 e no Jubileu do ano 2000
foi indicada como modelo de amor à Eucaristia.
Concluindo, é bom citar o Martirológio Romano, onde se lê:
“Memória de São Jorge, mártir, cuja gloriosa batalha, celebrada em Diáspole
(Lidda) na Palestina, é celebrada desde a antigüidade por todas as Igrejas, do
Oriente ao Ocidente”. Pouco sabemos de São Jorge, mas o que sabemos é
suficiente: existiu de fato, acolheu Jesus, morreu na graça divina! Que os
cristãos, portanto, invoquem com confiança a sua intercessão na luta contra as
forças do mal!
S. Jorge, Mártir de Cristo: rogai por nós!
APOLITIKION (4º TOM)
Vitorioso Jorge, ilustre entre os mártires,
libertador dos cativos, protetor dos pobres,
médico dos doentes e defensor dos governantes;
intercede a Cristo Deus pela salvação de nossas almas!
OUTRO APOLITIKION
Pela fé, combateste o bom combate,
ó lutador pela causa de Cristo,
e por ela desprezaste a impiedade dos perseguidores.
Oferecido a Deus como oblação agradável,
ganhaste a coroa da vitória.
Por tuas orações, ó São Jorge,
alcancemos todos o perdão das nossas culpas.
KONDAKION
Cultivado por Deus
te tornaste um excelente cultor da piedade
e colheste para ti as espigas das virtudes;
semeando com lágrimas, colheste com alegria;
e lutando até o sangue, ganhaste Cristo.
Por tuas orações, ó São Jorge,
que possamos alcançar o perdão de nossas culpas.
PROKIMENON
Alegra-se o justo no Senhor e n'Ele confia.
Ouve, ó Deus, a minha voz quando te rogo!
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