segunda-feira, 20 de abril de 2015

O Kimono de Poliéster

Olha só, o enredo era simples, sem muita coisa além do que se poderia esperar de um homem de quarenta anos e uma jovem garota. Tudo bem que no livro a moça tinha treze anos, e vestia um kimono de seda com motivos angelicais, mas aí tem aquela coisa de pedofilia, menor incapaz, estatuto da criança e todas as ferramentas de determinação do comportamento humano.

Então selecionamos uma mocinha anoréxica, que tinha um estilo adolescente, com corpo desengonçado e ar blasé. Porém a família, que não havia sido comunicada entrou com um mandato suspendendo as gravações, pois detinha um contrato com uma agência de modelos de determinada grife famosa, destas que desfilam por aí. Como a irmã tinha a tutela da agora modelo, preferimos abrir mão da sua arte.

Daí modificamos um pouco, e procuramos uma moça de trinta anos, mas com aparência ainda juvenil, que fosse fotogênica, sem risco de contratos leoninos e tutelas judiciais. Não foi fácil, mas encontramos uma mulata estilosa, fogosa e agradável, que nos primeiros dias entrou no papel com tal intensidade, que não conseguiu se libertar da personagem. Este fato levou ao total desagrado do seu companheiro, um líder comunitário, digamos assim, de uma comunidade próxima. Desta forma perdemos nossa mulatinha básica.

Pensamos até na possibilidade de alterarmos o enredo, com um personagem idoso e uma moça na faixa dos vinte e cinco anos, mas aí batemos de frente com o produtor/diretor e ator que por acaso era o protagonista do filme. Foi então que Claudinho, o auxiliar de iluminação, teve a luz - o protagonista ficaria sentado num espaçoso sofá, lembrando de suas taras, digo, dos seus romances, e ao fundo iriam passando fotos desfocadas de mocinhas infanto-juvenis.

O filme levou quarenta e cinco dias para ficar pronto dado à dificuldade de adaptarmos o livro à nova realidade e ao talento um tanto quanto peculiar do ator, que insistia em fazer as cenas com um Kimono de Poliester verde com Pavões estilizados, que acreditava ser um talismã da sedução, presenteado por sua mãe. Segundo ele, este Kimono manteria um laço de seda entre o enredo atual e a história de origem. E também alterou as fotos das mocinhas para sereias desfocadas.

Foi então que Claudinho, com uma sensibilidade nata, fez outra intervenção e sugeriu que entre um conto e outro, uma idosa surgisse e desmentisse toda a história do protagonista, simbolizando a mãe castradora. O produtor/diretor/ator adorou a ideia, demitiu Claudinho e manteve a velha senhora fazendo as intervenções e no final reservou a cena magna, onde os dois se entregaram a um romance tórrido.

Neste ponto, vai cortando a cena para a sereia, que à medida que a câmera se aproxima, mostra ser o protagonista com seu kimono de poliéster entrando no mar, simbolizando o retorno do filho às entranhas da sua origem. Uma vez dentro da água, volta-se para a câmera em close e grita - Ai, que tudo!

É isto aí!

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