quarta-feira, 22 de abril de 2015

O marido, o amante e o macho alfa

Hal Foster - Prince Valiant
Apolônio Prazeres era o macho alfa da pacata cidade de Formosinha. Bisneto do pioneiro, filho do homem mais rico da região, tinha a fama de garanhão do pedaço, invejado pelos homens e desejado pelas mulheres. Se uma moça fosse vista conversando com ele, já era o bastante para saber que tinha sido desviada.

Um dia, numa festa junina, Geraldinho da Venda sentiu-se traído pelo olhar da companheira de anos, mãe dos seus filhos e baluarte da sua dignidade. Percebeu um cruzamento de olhares entre ela e Apolônio Prazeres. Chegou em casa em estado emocional abalado, mudo e catatônico. Esta vaca tem um caso com ele, só pode ser isto.

Logo de manhãzinha foi na Igreja, dobrou os joelhos e implorou um sinal dos céus. Nenhum anjo desceu para revelar-lhe o que já sabia - ele era seu amante. Saiu dali em total desespero, tomou a rua do Alto - antigamente era o caminho da Praça da Prefeitura até o Pico do Cruzeiro, um morro íngreme que foi se povoando sem critérios urbanísticos.

Chegou arfando no cume, e entrou na Tenda do Pai Silício. Um homem o acolheu em paz e esperou que conseguisse falar alguma coisa, daí explicou sua aflição em desespero. Ouviu do Caboclo que veio atendendo ao chamado, que esquecesse aquilo, que voltasse para casa e tocasse a vida.

Saiu com mais dúvidas do que quando chegou - esquecer significaria que ela tinha mesmo um caso com Apolônio, pensou. No pé do morro, transtornado, entrou na casa de Nhá Chica, a mais famosa rezadeira do lugar, com suas saias brancas engomadas, braceletes e colares multicoloridos. Ela, em silêncio, deu-lhe uma unção com água de rosas utilizando ramos de arruda, em nome do Senhor do Bonfim, e colocou um patuá de sal no bolso do seu paletó. Agora vá em paz, meu filho.

Aquilo era um complô, o céu ocultava a verdade, por que com certeza era coisa do diabo. Passou a vigiá-la diuturnamente. Numa tarde a viu estacionar num lote atrás da Pensão do Rilton e caminhar por uma estreita passagem para dentro do recinto. Saiu dali com ódio, passou em casa, colocou toda a família no carro, incluindo as duas comensais, sogra e a cunhada solteirona.

Voltou à pensão, onde a polícia, o padre e uma multidão de beatas já os aguardavam. Entraram todos, e Geraldinho à frente foi direto ao quarto, arrombou a porta com violência e deparou a esposa nua aos braços do Apo.. puta que o pariu, Amelinha, você está me traindo com o Zezinho Cata-Latas? Um morto-vivo que não tem nem onde morar? Não teve nem a dignidade e a sensatez de ter um caso com o Apolônio? Sinceramente...

Ela ouviu vaias, gritos e assovios intensos, todos seguidos com palavras de desprezo e decepção.

A mãe e a irmã falaram uníssonas - Caramba, Amelinha, se fosse com o Apolônio a gente até entendia, mas com um rola-bostas deste nível? Francamente! E mudaram para a cidade vizinha, para a casa de uma tia viúva.

As amigas ficaram decepcionadas.

Os filhos tiveram vergonha em saber que nem para o Apolônio ela servia.

A vida seguiu e Geraldinho a perdoou. Aquilo foi uma fraqueza, uma doença mental segundo o doutor da capital, mas se fosse com o Apolônio, aí não, aí seria coisa do capeta que só a morte resolveria. Ainda bem que ouvi os santos, dizia a todos.

É isto aí!

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