terça-feira, 17 de novembro de 2015

Que merda é isto tudo?

Estava arrasado. Coloquei For once in my life para tocar ininterruptamente no aparelho de CD, no volume mínimo, só para as batidas graves coordenarem meu coração. Era a nossa música, só nossa. Pensei em beber alguma coisa, mas desisti - melhor que não. 

Fiquei ali, olhando o vazio ... For once in my life I have someone who needs me .... Puxa vida, ela precisa de mim e eu, eu, meu Deus, quanta dor, eu a amo. Sempre a amei, desde o dia que nossos destinos se cruzaram num táxi que aceitou uma corrida dupla para fugirmos de uma chuva torrencial ... Someone I've needed so long... tocava esta música!

Entramos e saímos um da vida do outro muitas vezes, e em todas chorei, sofri, me acabei e a gente sempre voltava numa alegria tão grande, tão infinita, tão esplendorosamente amantes, sabe, e aquilo era o que só ela era capaz proporcionar-me, ela era o melhor em mim ... For once, unafraid, I can go where life leads me ... . Puxa vida, estou chorando de novo, eu havia prometido ser forte ... And somehow I know I'll be strong ... . 

Por volta das três horas da manhã, ouvi o elevador chegar, escutei seus passos leves e trôpegos, afligi pela luta para ela conseguir abrir a porta, pois agonizava com a chave batendo em todos os pontos, menos na fechadura. Desalentado, levantei para abrir e deixa-la entrar, para diminuir aquela aflição. Percebi, claro, sempre percebi, que estava completamente drogada, toda suja, urinada, vômito na roupa e cabelo, e pela primeira vez, ao colo de um homem sério, sem sinal de uso de droga, aparentemente um andarilho ou morador de rua devido às características comuns aos que vagam pelas calçadas diuturnamente.

Ele entrou em silêncio e colocou-a gentil e educadamente no sofá. Não falou nada, e aí me olhou no fundo da minha alma e me deu um abraço tão pesaroso, tão sentido, como se fosse ele a recebê-la naquele estado. Acho que foi por que não sabíamos o que dizer um ao outro, e então partiu. Sentei ao seu lado, no chão, e fiquei ali  alisando seu cabelo, lembrando das suas gargalhadas, das nossas brigas, do seu beijo delicioso e escandaloso. 

Eu não vou perder você para as drogas, não vou, nós vamos sair desta merda, eu saí e agora vou tirar você. ... As long as I know I have love, I can make it ... . Chorei até cansar de chorar, solucei, eu te amo, eu te amo, eu te amo for once in my life ... 

Dei-lhe um banho com cuidado, lavei seu cabelo, tão lindo, cacheado, escovei seus dentes - estava toda machucada, limpei suas unhas - parece que apanhou, sei lá, talvez caiu, que merda é isto tudo que a vida dá? Mas que desgraça, que merda de vida é esta? Voltei a chorar. Coloquei uma camisola que ela gostava, de algodão, e acabei dormindo ali, segurando a sua mão, sentado numa cadeira à beira da cama. Achei que não iria dormir, mas o sono me venceu.

Acordei assustado, no chão, e ao levantar, apenas um bilhete escrito em letras horríveis - adeus para sempre. Enquanto segurava o papel, a campainha tocou, era a polícia - ela estava lá embaixo, na calçada. Eu deveria reconhecer o corpo ... reconhecer o corpo, meu Deus do céu ... que dor, meu Deus ... reconhecer ... meu Deus ... que merda é isto tudo?

É isto aí! 

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