quinta-feira, 24 de março de 2016

Cartas à mamãe

Querida mamãe,

Cheguei bem - tio Pascoalino veio me buscar na estação ferroviária. A viagem foi ótima. Conheci uma moça, que sentou ao meu lado. Muito bonita, muito simpática. Conversamos e rimos muito. Ela falou que nasceu na nossa cidade, veja só isto mamãe, e que mudou ainda pequena para uma cidade vizinha e hoje residem aqui na capital. Puxa, mamãe, como ela é bonita.

Querido Afonsinho,

Que bom que chegou bem. Entregou o bordado à sua tia e falou que fui eu mesma quem bordou? E Pascoalino? Está bebendo muito ainda? Não o acompanhe na bebida, meu filho. E percebi que você não falou nada sobre seu primo, o Agenorzinho. Acho ele tão educado, este sim poderá ser um grande companheiro seu na capital. Deus te abençoe, e lembre-se, sua pobre e frágil mãezinha, apesar da osteoporose, das dores reumáticas, da hipertensão, da gastrite e da asma, está bem - digo isto por que você sequer perguntou por minha saúde na sua carta. Beijos, mamãe. (PS - cuidado com as vadias)

Querida mamãe,

Hoje foi um dia fantástico. Foi o meu primeiro dia de aula na universidade. Puxa vida, mamãe, a senhora deveria estar aqui. É tudo tão bonito, as pessoas são tão felizes. Tem biblioteca, refeitório, campos de futebol, quadras poliesportivas, piscina olímpica, etc. E as aulas? Nossa!!! - professores fantásticos. Uns são mestres e a maioria é composta de doutores. Veja só, mamãe, o seu Afonsinho tendo aula com doutores. Sabe aquela menina do trem? Que emoção! Encontrei com ela no campus. Mamãe, ela é linda. E sabia que está no segundo ano do meu curso? É que como sou fora de faixa, acabei ficando um ano para trás. Acho que a senhora deverá se lembrar dos pais dela, ele se chama Zé Lindolfo e a mãe Carmelinda.

Querido Afonsinho,

Graças a Deus e às orações sagradas de sua mãe que todos os dias, de joelhos, suplica aos céus pela sua segurança, você está bem. Meu coração se alegra com esta notícia. Se seu pai estivesse ainda entre nós, com certeza estaria dando pulos de alegria, afinal daqui a poucos anos será um profissional tal qual ele foi. Meu filho, cuidado com a friagem, alimente-se bem, Obedeça à sua tia e não saia pelas noites. Evite as más companhias. Afonsinho, já és um rapazinho e sabe distinguir uma moça de família de uma rameira de baixa qualificação social. Cuidado, meu filho, afaste-se das moças de mães vadias, se é que me entende.

Querida mamãe,

 Fiz excelentes provas e as notas foram as maiores da minha turma. Estou cada vez mais encantado em seguir os passos do papai. Ontem percorri as galerias de formandos e vi a foto da turma dele. Não consegui encontrá-lo no meio de tanta gente parecida, até mesmo por que me lembro muito pouco dele, mas sei que estava lá, me observando, pude sentir isto. Sabe, mamãe, chorei muito com aquele encontro com a nossa história. Ainda bem que estava com a Denise, lembra dela? A do trem. Ela me entendeu e me confortou num abraço tão solidário, que desejei ser dela pela vida toda. Acho que estou apaixonado, mamãe.

Afonsinho,

Estou chegando na capital no dia 15, e iremos conversar sobre morarmos juntos. E farei com que você se esqueça de vez das raparigas vadias, filhas de barranqueiras caipiras, que migraram para a capital feito cabritas alpinistas de status social.

Mamãe,

Pode vir, será bem vinda, mas quanto a morarmos juntos, não vai dar. Estou namorando sério com a Denise e o pai dela, que se mostrou um tanto entusiasmado com o nosso relacionamento, quer que a gente se case e moremos na casa dele, que é muito grande. Lá tem um segundo andar muito aconchegante, com entrada independente, que será nosso lar..

Afonsinho,

Você não é mais meu filho e eu não sou mais sua mãe. Estou morta. Entendeu? Eu, sua mãe, estou morta para você. Nem tente vir aqui procurar pelo meu corpo, pois estará na vala dos comuns que sofrem pela perda dos que não a amam. Nem tente me escrever mais, nem ligue para a dona Genoveva e deixe recado e nem sei mais o que falar. Tomara que você pegue sífilis, blenorragia, candidíase, uretrite, cistite e que seja infeliz com esta quenga filha de uma rapariga maledicente. E lembre-se de que mamãe te amou mesmo assim, mas já estou morta, mortinha, sem ter o que fazer com o corpo e o meu coração deixo para as pesquisas científicas onde poderão constatar o quanto sofri e amei você - adeus. (PS não esqueça do meu aniversário no dia 28 de abril, e faz o favor de vir sozinho, bem como no Natal.) 

É isto aí!

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