quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte V - Os Generosos

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte V - Os Generosos

Chegou a época de uma grande festa que se celebrava de cinco em cinco anos. Era costume em Babilônia proclamar solenemente, ao cabo de cinco anos, qual o cidadão que havia praticado a ação mais generosa.

Os grandes e os magos serviam de juízes. O primeiro sátrapa, que regia a cidade, expunha as mais belas ações que haviam ocorrido sob o seu governo. Procedia-se à votação; o rei pronunciava a sentença.

Dos quatro cantos da terra, vinha gente assistir a essa solenidade. O vencedor recebia das mãos do monarca uma taça de ouro guarnecida de pedrarias, e o rei lhe dizia estas palavras: Recebei este prêmio da generosidade, e queiram os deuses conceder-me muitos súbditos que se assemelhem a vós!

Chegado o memorável dia, sentou o rei no seu trono, cercado dos grandes, dos magos e dos deputados de todas as nações que compareciam a essa justa, onde a glória não era conquistada com a rapidez dos cavalos, nem com a fôrça física, mas tão somente com a virtude. O primeiro sátrapa relatou em voz alta as ações que podiam fazer jus à inestimável recompensa. Não falou da magnanimidade com que Zadig devolvera a fortuna ao invejoso: não era ação que merecesse concorrer ao prêmio.

Apresentou primeiro um juiz que, tendo feito um cidadão perder considerável processo devido a um equívoco de que não lhe cabia responsabilidade alguma, lhe dera no entanto todos os seus bens, que eram do valor do que o outro havia perdido.

Depois um jovem que, loucamente enamorado da moça com quem ia casar, não hesitara em cedê-la a um amigo prestes a expirar de amor por ela; e ainda concorrera com o dote.

E finalmente um soldado que, na guerra de Hircânia, dera ainda maior exemplo de generosidade. Soldados inimigos procuravam raptar-lhe a sua querida, que ele defendia valentemente, quando lhe vieram dizer que outros hircanianos, a alguns passos dali, se apoderavam de sua mãe: deixou, em lágrimas, a bem-amada e correu a livrar a mãe; voltou em seguida para aquela a quem amava, e encontrou-a moribunda. Quis matar-se; a mãe lhe fez ver que ele era o seu único arrimo, e o soldado teve a coragem de suportar a vida. 

As simpatias dos juízes inclinavam-se para esse soldado, quando o rei tomou a palavra e disse:

- Sua ação e a dos outros são belas; mas não me espantam; todavia o que ontem fez Zadig me deixou verdadeiramente admirado. Há poucos dias, privara eu de minha graça a meu ministro e favorito Coreb. Queixava-me dele com violência, e todos os cortesãos me asseguravam que fora demasiado brando; cada qual se empenhava em dizer o pior possível de Coreb. Perguntei a Zadig o que pensava, e ele ousou falar bem do desvalido. Confesso que vi, nas nossas histórias, exemplos de quem indenizasse um erro com a própria fortuna, quem cedesse a noiva, ou preferisse a mãe ao objeto de seu amor; mas nunca li que um cortesão haja falado vantajosamente de um ministro em desgraça, contra o qual ainda estivesse encolerizado o soberano. Concedo vinte mil moedas de ouro a cada um cujas generosas ações acabam de ser relatadas; mas entrego a taça a Zadig.

- Senhor - disse este, - é Vossa Majestade quem merece a taça, pois foi quem praticou a ação mais inaudita: - sendo rei, não vos indignastes por haver vosso escravo contrariado as vossas paixões.

Admiraram ao rei e a Zadig. O que cedera seus bens, o que casara a noiva com o amigo, o que preferira a salvação da mãe à da mulher a quem amava, receberam os presentes do monarca; tiveram seu nome escrito no livro dos generosos. Zadig ganhou a taça. O rei adquiriu a reputação de bom príncipe, que não conservou por muito tempo. Tal dia foi comemorado com festas mais longas do que o previa a lei, e ainda é lembrado em toda a Ásia. 

Zadig dizia: "Eis-me enfim feliz!" Mas enganava-se.


terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte IV - O Invejoso

IV. O INVEJOSO

Zadig procurou consolo na filosofia e na amizade, dos males que lhe causara a sorte. Possuía, num arrabalde de Babilônia, uma casa arranjada com excelente gosto, onde acolhia todas as artes e divertimentos dignos de um homem de bem. De manhã franqueava a biblioteca a todos os sábios; e a mesa, de noite, à gente de boa companhia. Mas logo viu como são perigosos os primeiros. Explodiu entre eles uma grande querela acerca da lei de Zoroastro que proibia comer grifo.

- Como proibir carne de grifo - diziam uns, - se esse animal não existe?

- Tem de existir - diziam outros, - visto que Zoroastro não quer que o comam.

Zadig procurou harmonizá-los, dizendo:

- Se houver grifos, não os devemos comer; se não os houver, muito menos os comeremos; e assim, de qualquer modo, obedecemos todos a Zoroastro.

Um sábio, que compusera treze volumes sobre os grifos e que além disso era grande teurgista, apressou-se em ir acusar Zadig perante um arquimago chamado Yebor, o mais tolo dos caldeus e,
portanto, o mais fanático. Esse homem seria capaz de mandar empalar Zadig para maior glória do sol, recitando depois o breviário de Zoroastro no tom mais satisfeito do mundo.

O amigo Cador (um amigo vale mais que cem sacerdotes) foi procurar o velho Yebor e disse-lhe:

- Viva o sol e os grifos! guardai-vos de punir Zadig: é um santo; ele tem grifos no terreiro e não os come; e o seu acusador é um herege que ousa sustentar que os coelhos têm a pata fendida e não são imundos.

- Pois bem - disse Yebor, balançando a calva, - cumpre empalar Zadig por ter pensado mal dos grifos, e o outro por ter falado mal dos coelhos.

Cador contornou a questão por intermédio de uma dama de honra a quem fizera um filho e que gozava de muito crédito junto ao colégio dos magos. Ninguém foi empalado, motivo pelo qual muitos doutores começaram a murmurar, vaticinando a decadência da Babilônia.

"Do que depende a felicidade ! - exclamou Zadig. - Tudo me persegue neste mundo até os seres que não existem". Amaldiçoou os sábios, e dali por diante só procurou viver em boa companhia. Reunia em casa os homens mais distintos da Babilônia e as damas mais amáveis; oferecia delicadas ceias, muita vezes precedidas de concertos, animadas por encantadoras conversações de quem soubera banir o empenho de mostrar espírito, que é a mais certa maneira de não o ter e de estragar a sociedade mais brilhante. Nem a escolha dos amigos, nem a dos pratos, era ditada pela vaidade: pois em tudo preferia o ser ao parecer; e com isso atraíra a verdadeira consideração, à qual não aspirava.

Defronte à sua casa morava Arimaze, personagem cuja mesquinha alma se lhe via pintada na grosseira fisionomia. Vivia corroído de fel e inchado de orgulho; e, para cúmulo, era um aborrecido "espirituoso".

Não tendo jamais alcançado sucesso na sociedade, vingava-se falando mal dela. Opulento como era, tinha dificuldade em reunir alguns aduladores nos seus salões. Importunava-o o rumor dos carros que paravam à noite diante da casa de Zadig, e ainda mais o irritava o rumor de seus louvores. Ia algumas vezes visitar Zadig e sentava-se à mesa sem ser convidado: corrompia então toda a alegria da sociedade, como dizem que as harpias envenenam a carne em que tocam. 

Aconteceu-lhe uma vez oferecer uma festa a certa dama que, em vez de aceitá-la, foi cear em casa de Zadig. Doutra feita, estando ambos em palácio, abordaram um ministro, que convidou Zadig para cear, sem estender o convite a Arimaze. Os mais implacáveis ódios não têm comumente raízes mais importantes. Esse homem, a quem chamavam o Invejoso, planejou perder Zadig, porque a este chamavam o Feliz. A oportunidade de fazer mal depara-se cem vezes por dia, e a de fazer bem uma vez por ano, diz Zoroastro.

O Invejoso foi ter com Zadig, que passeava no jardim em companhia de dois amigos e uma dama, a quem muita vez dizia coisas galantes, sem maior intenção que lhes dizer. Conversavam sobre a guerra que o rei acabava de ganhar ao príncipe de Hircânia, seu vassalo. Zadig, que se assinalara, pela coragem, nessa curta guerra, louvava muito o rei e ainda mais a dama. Tomou as suas tabuinhas, e escreveu quatro versos de improviso, dando-os a ler à sua bela companheira. Os amigos pediram que lhos lesse; mas a modéstia o impediu, ou antes, um bem compreendido amor-próprio. Sabia que versos improvisados só prestam para aquela em cuja honra são compostos: quebrou em duas a tabuinha onde acabava de escrever e lançou as duas metades numa moita de rosas onde em vão os outros as procuraram. Como principiasse a garoar entraram em casa. 

O invejoso, tendo ficado no jardim tanto procurou que encontrou uma das metades. Fora rompida de tal modo que cada metade de linha formava sentido e até mesmo um verso de menor medida; mas, por um acaso ainda mais estranho, o conjunto desses quatro pequenos versos também completava um sentido que continha as mais terríveis injúrias contra o rei. Lia-se, pois:

Pelo crime brutal
Venceu o soberano,
Na paz universal
É o único tirano.

O invejoso sentiu-se feliz pela primeira vez na vida. Tinha entre as mãos com que perder a um homem virtuoso a digno. Cheio de cruel alegria, fez chegar ao rei aquela sátira escrita por mão de Zadig; puseram-no em prisão, a ele, aos seus dois amigos e à dama. Em breve foi concluído o processo sem que se dignassem inquiri-lo. Quando foi ouvir a sentença, encontrou de passagem o invejoso, o qual lhe disse que os seus versos não valiam nada. 

Zadig não tinha pretensões a bom poeta; mas exasperava-se de ser condenado por crime de lesa-majestade e ver que retinham em prisão uma bela dama e dois amigos, por causa de um atentado que ele não cometera. Não lhe permitiram que falasse, porque as suas tábuas falavam o bastante. Tal era a lei de Babilônia. Mandaram-no, pois, ao suplício, através de uma multidão de curiosos, nenhum dos quais ousava lamentá-lo, e que se precipitavam para examinar-lhe o rosto e ver se ele morria de boa cara. Apenas seus parentes estavam aflitos, pois não herdavam nada. Três quartos de seus bens eram confiscados em proveito do rei, e o último quarto em proveito do invejoso.

Enquanto ele se preparava para a morte, o papagaio do rei voou do seu balcão e foi pousar no jardim de Zadig, sobre uma moita de rosas. De uma árvore vizinha, tombara ali um pêssego, sacudido pelo vento, indo aplastar-se contra um pedaço de tábua de escrever, a que ficara colado. O pássaro carregou o pêssego e a tabuinha, depondo-os sobre os joelho do monarca. 

O príncipe, curioso, leu no fragmento umas palavras que não formavam sentido e que pareciam finais de versos. Ele amava a poesia, e sempre há algum recurso com príncipes que gostam de versos: a aventura do papagaio deu-lhe que pensar. 

A rainha, que se lembrava do que vinha escrito na tábua de Zadig, mandou buscá-la. Confrontaram os dois pedaços, que se ajustavam perfeitamente surgiram tão os versos tais quais Zadig os escrevera:

Pelo crime brutal era assolada a terra.
Venceu o soberano, e libertos nos vimos.
Na paz universal somente o amor faz guerra:
É o único tirano a quem não resistimos.

O rei ordenou em seguida que trouxessem Zadig à sua presença e retirassem da prisão seus dois amigos e a bela dama. Zadig lançou-se de rosto contra o solo aos pés do rei e da rainha: pediu-lhes humildemente perdão de haver feito maus versos; falou com tanta graça, espírito e razão que o rei e a rainha manifestaram desejo de tornar a vê-lo. Voltou, e agradou ainda mais. Deram-lhe todos os bens do invejoso que o acusara injustamente, mas Zadig lhos restituiu, e o invejoso só se comoveu com o prazer de não perder seus haveres. 

Dia a dia aumentava a estima do rei. Convidava Zadig para todas as suas festas e consultava-o em todos os seus negócios. A rainha começou então a olhá-lo com uma complacência que podia tornar-se perigosa para si mesma, para o rei seu augusto esposo, para Zadig e para o reino. 

Zadig principiava a crer que não é nada difícil ser feliz.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte III - O Cão e o Cavalo

Zadig ou o Destino

Voltaire

III. O Cão e o Cavalo

Zadig reconheceu que o primeiro mês do casamento é mesmo, como está escrito no Zenda, a lua de mel, e que o segundo é a lua de fel. Viu-se dentro em pouco obrigado a repudiar Azora, que se tornara  dificílima de trato, e buscou refúgio no estudo da natureza. 
"Ninguém pode ser mais feliz - dizia êle - do que um filósofo que lê nesse grande livro colocado por Deus ante nossos olhos. É dono das verdades que descobre; alimenta e eleva a alma; vive tranqüilo; nada teme dos homens, e a sua extremosa mulher não lhe vem cortar o nariz".

Penetrado dessas idéias, retirou-se para uma casa, de campo à margem do Eufrates. Ali, não se preocupava ele em calcular quantas polegadas de água corriam por segundo sob os arcos de uma ponte, ou se caía mais de uma linha cúbica de chuva no mês do rato do que no mês do carneiro. Não planejava fabricar seda com teias de aranha, nem porcelana com cacos de garrafa; mas dedicou-se principalmente ao estudo dos animais e das plantas, adquirindo em breve uma agudeza que lhe desvendava mil diferenças onde os outros não viam que uniformidade.

Ora, estando um dia a passear pelas proximidades de um bosque, acorreu-lhe ao encontro um eunuco da rainha, seguido de vários oficiais que demonstravam a maior inquietação e vagavam de um lado para outro, como pessoas desorientadas que houvessem perdido a maior preciosidade deste mundo.

- Jovem - disse-lhe o primeiro eunuco, - não viste o cão da rainha?

- É uma cadela, e não um cão respondeu Zadig discretamente.

- Tens razão - tornou o primeiro eunuco.

- É caçadeira, e por sinal é muito pequena - acrescentou Zadig. - Deu cria há pouco; manqueja da pata dianteira esquerda e tem orelhas muito compridas.

- Viste-a, então? - perguntou o primeiro eunuco, esbaforido

- Não - respondeu Zadig, - nunca a vi na minha vida nem nunca soube se a rainha tinha ou não uma cadela. 

Ao mesmo tempo, por um ordinário capricho da sorte, sucedeu escapar-se das mãos de um palafreneiro, que é o servo responsável por segurar e conduzir à pé, pelas rédeas, o cavalo real, o mais belo exemplar das cavalariças do rei, extraviando-se nos campos de Babilônia. 

O monteiro-mor, que é o oficial da Casa Real que supervisiona as caçadas reais, e todos os outros oficiais corriam à sua procura com mais inquietação do que o primeiro eunuco em busca da cadela. O monteiro-mor dirigiu-se a Zadig e perguntou-lhe se não vira acaso o cavalo do rei.

É - respondeu Zadig - o cavalo de melhor galope; tem cinco pés de altura e os cascos pequenos; a cauda mede três pés e meio de comprimento; o freio é de ouro de vinte e três quilates; e as ferraduras de prata de onze denários.

- Que direção tomou ele? onde está? - perguntou o monteiro-mor.

- Não o vi - respondeu Zadig, - nem nunca ouvi falar nele.

O monteiro-mor e o primeiro eunuco não tiveram mais dúvidas de que Zadig houvesse roubado o cavalo do rei e a cadela da rainha; levaram-no perante a assembléia do Grande Júri, que o condenou ao exílio para passar o resto da vida na Sibéria. 

Mal se encerrara o julgamento, foram encontrados o cavalo e a cadela. Viram-se os juízes na dolorosa obrigação de reformar sua sentença; mas condenaram Zadig a desembolsar quatrocentas onças de ouro, por haver dito que não vira o que tinha visto. Primeiro foi preciso pagar a multa; depois concederam-lhe licença para se defender perante o conselho do Grande Júri. 

Zadig falou nos seguintes têrmos:

"Estrelas de justiça, abismos de ciência, espelhos da verdade, vós que tendes o pêso do chumbo, a dureza do ferro o fulgor do diamante e tanta afinidade com o ouro! Já que me é dado falar perante essa augusta assembléia, juro-vos por Orosmade que jamais vi a respeitável cadela da rainha, nem o sagrado cavalo do rei dos reis. 

Eis o que me aconteceu - Passeava eu pelas cercanias do bosque onde vim a encontrar o venerável eunuco e o ilustríssimo monteiro-mor, quando vi na areia as pegadas de um animal. Descobri  facilmente que eram as de um pequeno cão. Sulcos leves e longos, impressos nos montículos de areia, por entre os traços das patas, revelaram-me que se tratava de uma cadela cujas têtas estavam pendentes, e que portanto não fazia muito que dera cria. Outras marcas em sentido diferente, que sempre se mostravam no solo ao lado das patas dianteiras, denotavam que o animal tinha orelhas muito compridas; e, como notei que o chão era sempre menos amolgado por uma das patas do que pelas três outras, compreendi que a cadela de nossa augusta rainha manquejava um pouco, se assim me ouso exprimir

Quanto ao cavalo do rei dos reis, seja-vos cientificado que, passeando eu pelos caminhos do referido 
bosque, divisei marcas de ferraduras que se achavam todas a igual distância.

"Eis aqui - considerei - um cavalo que tem um galope perfeito". A poeira dos troncos, num estreito caminho de sete pés de largura, fôra levemente removida à esquerda e à direita, a três pés e meio do centro da estrada. "Esse cavalo - disse eu comigo - tem uma cauda de três pés e meio, a qual, movendo-se para um lado e outro, varreu assim a poeira dos troncos". Vi debaixo das árvores, que formavam um dossel de cinco pés de altura, algumas fôlhas recém-tombadas e concluí que o cavalo lhes tocara com a cabeça e que tinha, portanto, cinco pés de altura. Quanto ao freio, deve ser de ouro de vinte e três quilates: pois êle lhe esfregou a parte externa contra certa pedra que eu identifiquei como uma pedra de toque. E, enfim, pelas marcas que as ferraduras deixaram em pedras de outra espécie, descobri eu que eraprata de onze denários".

Todos os juízes pasmaram do profundo e sutil discernimento de Zadig, o que logo chegou aos ouvidos do rei e da rainha. Só se falava em Zadig nas antecâmaras, na câmara e no gabinete; e, embora vários magos opinassem que o deviam queimar como feiticeiro, ordenou o rei que lhe restituíssem as quatrocentas onças de ouro a que fora multado. 

O escrivão, os meirinhos, os procuradores, compareceram em grande pompa à presença de Zadig, para lhe entregar as suas quatrocentas onças; apenas retiveram trezentas e noventa e oito para as custas do processo, e os seus ajudantes reclamaram gratificação.

Zadig compreendeu como era às vêzes perigoso ser demasiado sábio, e jurou consigo que, na próxima 
ocasião, nada diria do que acaso houvesse testemunhado. Essa oportunidade não se fêz esperar. Um prisioneiro de Estado, que fugira, passou pelas janelas de sua casa. Zadig, interrogado, nada respondeu; mas provaram-lhe que ele olhara pela janela. 

Foi multado, por esse crime, em quinhentas onças de ouro, e ele agradeceu a indulgência dos juízes, segundo o costume de Babilônia. 

"Como é lamentável, meu Deus, - dizia ele consigo, - ir a gente passear num bosque por onde passaram a cadela da rainha e o cavalo do rei! Que perigoso chegar à janela! E que difícil ser feliz nesta vida?"

Amanhã o Capítulo IV - O Invejoso

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte II - O Nariz

ZADIG OU O DESTINO - Uma história oriental

II. O NARIZ

Um dia Azora voltou de um passeio muito encolerizada e com grandes exclamações.

- Que tens, minha querida espôsa? Quem te pôs nesse estado?

- Ah! ficarias como eu, se visses o que acabo de presenciar. Fui confortar a viúva Cosru, que há dois dias edificou um túmulo para seu jovem espôso, junto ao arroio que banha as redondezas. Na sua aflição, prometera aos deuses que ficaria junto do túmulo enquanto lhe corressem ao lado as águas do arroio.

- Pois então! Eis aí uma estimável mulher que amava verdadeiramente a seu marido!

- Ah! se soubesses em que se ocupava ela quando a fui visitar!

- Em que, minha bela Azora?

- Ela estava mandando desviar o arroio.

E Azora alongou-se em tais invectivas, explodiu criminações tão violentas, que não agradou em nada a Zadig tamanha ostentação de virtude.

Tinha este um amigo chamado Cador que era um daqueles jovens a quem sua mulher atribuía mais
probidade e mérito que aos outros: confiou-lhe os seus pensamentos e assegurou-se, como podia, da sua fidelidade, dando-lhe um valioso presente.

Azora, que passara dois dias no campo em casa de uma amiga, regressou no terceiro dia. Criados em pranto anunciaram-lhe que o marido, Zadig, morrera subitamente naquela noite e que, não ousando levar-lhe essa infausta notícia, acabavam de sepultá-lo no túmulo de seus pais, ao fundo do jardim. Ela chorou, arrancou os cabelos e jurou morrer. À noite, Cador pediu-lhe licença para lhe falar, e choraram ambos. No dia seguinte, choraram menos, e jantaram juntos.

Cador confessou que o amigo lhe deixara a maior parte de sua fortuna, e deu a entender que a maior ventura, para ele, seria compartilhá-la com Azora. A dama chorou, irritou-se, voltou às boas; a ceia foi mais longa que o jantar; falaram-se com mais confiança: Azora fêz o elogio do defunto, mas confessou que Zadig tivera em vida alguns defeitos de que Cador era isento.

Durante a ceia Cador queixou-se de uma violenta pontada no baço; a dama, inquieta e solícita, mandou trazer todas as essências com que se perfumava, a fim de ver se alguma não seria boa para aquilo; lamentou muito que o grande Hermes já não estivesse em Babilônia; dignou-se até a tocar no ponto onde Cador sentia dores tão agudas.

- E tens muito seguido esses cruéis ataques? - perguntou-lhe, cheia de compaixão.

- Levam-me às vêzes à beira do túmulo, e só há um remédio que me dá alívio: é aplicar no local o nariz de um homem falecido na véspera.

- Estranho remédio! - espantou-se Azora.

- Não mais estranho - respondeu Cador - que os saquinhos do senhor Arnoult contra apoplexia. - A esta razão, juntamente com os extraordinários méritos do jovem, rendeu-se afinal a dama:

"Em todo caso - disse ela consigo, - quando meu marido, na ponte de Tchinavar, passar do mundo de ontem para o mundo de amanhã, será que o anjo Asrael deixará de lhe dar passagem, só porque ele vai ter o nariz um pouco mais curto na segunda vida do que na primeira?" Tomou, pois, uma navalha; foi ao túmulo do Zadig , seu esposo, e regou-o de lágrimas, e aproximou-se para cortar o nariz de Zadig, que encontrou estendido na tumba.

Zadig ergueu-se, defendendo o nariz com uma das mãos e detendo a navalha com a outra.

- Senhora, disse ele, não clame tanto assim contra a viúva Cosru: o projeto de me cortar o nariz vale bem o de desviar um arroio.

Amanhã tem a Parte III - O Cão e o Cavalo.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Zadig ou o Destino (Voltaire) Parte I - O Caolho


ZADIG OU O DESTINO - Uma história oriental

Voltaire (François-Marie Arouet) foi um dos grandes filósofos do Iluminismo. Dentre as suas qualidades destaca-se a ironia, às vezes gentil, em outras sarcástica e, não poucas vezes, profundamente destrutiva.

Suas obras dão sentido à velha máxima: "Ridendo Castigat Mores" (com o riso castigam-se os costumes).

Zadig não é diferente; ironiza o poder, a organização política, a riqueza, o orgulho as pretensões da burguesia, a riqueza, a inveja e muito mais. Vale hoje como valeu em seu século.

A edição é antiga, mantivemos a pontuação e acentuação originais que os gramáticos resolveram alterar um dia. (Nélson Jahr Garcia)

I. O CAOLHO


No tempo do rei Moabdar havia em Babilônia um jovem chamado Zadig e cuja boa índole se aprimorara pela educação. Embora moço e rico, sabia moderar as paixões, não afetava nada; não pretendia ter sempre razão, e costumava respeitar a fraqueza dos homens. Era de espantar que, com tanto espírito, jamais procurasse meter a ridículo esses diálogos tão vagos, tão incoerentes, tão irrequietos, essas temerárias maledicências, esses juízos ignaros, essas grosseiras chocarrices, esse vão palavrório, a que se chamava conversação em Babilônia.

Aprendera, no primeiro livro de Zoroastro, que o amor-próprio é um balão cheio de vento, de onde brotam tempestades quando se lhes dá uma alfinetada. Não se vangloriava, principalmente, de desprezar as mulheres e subjugá-las. Era generoso; não se arreceava de prestar serviços a ingratos, conforme este grande preceito de Zoroastro:

"Quando comeres, dá de comer aos cães, ainda que te mordam".

Era o mais sábio possível, pois procurava viver com os sábios. Instruído na ciência dos antigos caldeus, não ignorava os princípios físicos da natureza, tais como se conheciam então e, quanto à metafísica, sabia dessa matéria o que sempre se soube em todas as épocas, isto é, pouquíssima coisa.

Estava firmemente convicto de que o ano se compunha de trezentos e sessenta e cinco dias e um quarto, mau grado a nova filosofia do seu tempo, e de que o sol ficava no centro do mundo; e quando os principais magos, com insultuosa arrogância, lhe diziam que demonstrava, assim, maus sentimentos e que só um inimigo do Estado poderia acreditar que o sol girasse sobre si mesmo e o ano tivesse doze meses - Zadig calava sem cólera e sem desprezo.

Com grandes riquezas, e por conseguinte com amigos, de boa saúde, agradável aparência, espírito justo e moderado, e um coração sincero e nobre, julgou que podia ser feliz. Ia desposar Semira, cujo nascimento e fortuna a tornavam o primeiro partido de Babilônia. Dedicava-lhe um firme e virtuoso afeto e Semira o amava com paixão.

Não tardava o feliz momento que os ia unir, quando, passeando os dois pelas proximidades de uma das portas de Babilônia, viram encaminhar-se a seu encontro alguns homens armados de sabres e flechas. Eram os satélites do jovem Orcan, sobrinho de um ministro, e a quem os cortesãos do tio haviam feito acreditar que tudo lhe era permitido.

Não tinha nenhuma das graças ou virtudes de Zadig; mas, julgando valer muito mais, exasperava-se por não ser o predileto. Tal ciúme, que só a vaidade inspirava, o convencera de que amava loucamente a Semira. E queria raptá-la.

Os asseclas lançaram-se a ela e, na sua brutalidade, chegaram a feri-la, derramando o sangue daquela criatura cuja vista seria capaz de enternecer os tigres do monte Imaús. Ela feria os céus com seus lamentos.

"Ó meu caro espôso! - bradava. - Arrancam-me àquele a quem adoro!"

Não se preocupava com o próprio perigo; pensava apenas no seu Zadig, o qual, ao mesmo tempo, a defendia com todas as fôrças que empresta a coragem e o amor. Somente com o auxílio de dois escravos, pôs os homens em fuga, carregando-a, desfalecida e ensangüentada, para a casa de seus pais. Logo que Semira voltou a si, deu com os olhos no seu salvador, e disse-lhe:

"Ó Zadig! antes eu te amava como a meu espôso; mas agora amo-te como àquele a quem devo a honra e a vida".

Nunca houve coração mais comovido que o de Semira. Nunca uns lábios encantadores exprimiram mais tocantes sentimentos, com essas ardentes palavras inspiradas na maior gratidão e nos transportes do justificado amor. Seus ferimentos eram leves; ficou logo boa.

Zadig fôra atingido mais gravemente; uma flechada perto de um ôlho produzira-lhe profundo ferimento. Semira só pedia aos deuses a cura de seu amado. Seus olhos, noite e dia, estavam banhados de lágrimas: esperava o momento em que os de Zadig pudessem gozar de seus olhares; mas um abscesso, que se formou na vista afetada, deu causa às maiores apreensões. Mandaram chamar em Mênfis o grande médico Hermes, que chegou com numeroso séquito, visitou o enfermo, e declarou que êste perderia a vista; predisse até o dia e hora em que deveria suceder o nefasto acidente.

"Se fosse o ôlho direito - disse êle - eu poderia curá-lo; mas as feridas na vista esquerda, são incuráveis".

Toda Babilônia, lamentando o destino de Zadig, admirou a profundeza da ciência de Hermes.

Dois dias depois, o abscesso resolveu-se por si mesmo; Zadig ficou completamente são. Hermes escreveu então um livro, em que lhe provou que não deveria ter sarado. Zadig não o leu; mas, logo que pôde sair, aprestou-se para visitar aquela em que fazia consistir toda a sua felicidade e só pela qual desejava conservar os dois olhos. Fazia três dias que Semira se achava no campo. Soube, em caminho, que essa bela dama, depois de declarar, abertamente a sua invencível aversão aos caolhos, desposara Orcan naquela mesma noite.

A essa nova, Zadig perdeu os sentidos; a dor o levou à beira do túmulo; por muito tempo esteve doente; mas enfim a razão venceu o sofrimento, e a própria atrocidade do que experimentava serviu para o consolar.

Já que sofri - disse êle - tão cruel capricho de uma moça da Côrte, devo agora procurar uma burguesa.

Escolheu Azora, a mais recatada donzela de família da cidade; desposou-a, e viveu com ela um mês os encantos da mais doce união. Apenas lhe notava certa leviandade e demasiado pendor para achar que eram exatamente os jovens mais bonitos que tinham mais espírito e virtudes.

(amanhã a segunda parte - O Nariz)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A Guerra que Aflige com seus Esquadrões (Fernando Pessoa)

Alberto Caeiro  in "Poemas Inconjuntos"
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Portugal  16 Abr 1889

A guerra, que aflige com os seus esquadrões o Mundo, 
É o tipo perfeito do erro da filosofia. 

A guerra, como tudo humano, quer alterar. 
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito 
E alterar depressa. 

Mas a guerra inflige a morte. 
E a morte é o desprezo do Universo por nós. 
Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa. 
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar. 

Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs. 

Tudo é orgulho e inconsciência. 
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto. 
Para o coração e o comandante dos esquadrões 
Regressa aos bocados o universo exterior. 

A química direta da Natureza 
Não deixa lugar vago para o pensamento. 

A humanidade é uma revolta de escravos. 
A humanidade é um governo usurpado pelo povo. 
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito. 

Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural! 
Paz a todas as coisas pré-humanas, mesmo no homem, 
Paz à essência inteiramente exterior do Universo! 

É isto aí!


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A dissonância cognitiva e a percepção seletiva de Bananaland


*Duas das principais fontes estão citadas abaixo.

Em política, a dissonância cognitiva manifesta-se quando uma determinada autoridade de direito, reconhecida como tal pelo povo, se comporta de forma irracional, fazendo com que o cidadão tente conciliar mentalmente essa autoridade de direito, por um lado, com a irracionalidade que se lhe reconhece no seu comportamento, por outro lado.


Face à contradição da autoridade de direito, o cidadão tem quatro caminhos: 

1 - Baixa os braços e desinteressa-se da política, aceitando toda a prepotência do Poder da autoridade, sem protestar ("1984", George Orwell); 

2 - Constrói uma mundividência (concepção ou visão do mundo) que tente conciliar o contraditório implícito na ação da autoridade mediante a obliteração (arte política de fazer desaparecer pouco a pouco deixando vestígios) da lógica através de purificação do discurso político (combate à corrupção, por exemplo), por forma a que a contradição da autoridade seja relegada para um plano invisível (ideologia e/ou o conceito de “pensamento duplo” de Orwell).

2.1 - Eventualmente bastará ao indivíduo a purificação do discurso político.

A dissonância cognitiva e a percepção seletiva são teorias relacionadas entre si, onde a primeira trata do conflito psicológico do indivíduo quando se depara com uma escolha aparentemente 'errada'; e a outra trata de filtros e estímulos adquiridos por este mesmo indivíduo cujos valores irão avaliar se a escolha é ou não 'errada'.

Para que a dissonância ocorra, é necessário que a pessoa possua um padrão de crenças, conceitos e valores adquiridos através da percepção seletiva para que haja parâmetros seletivos, inclusive, para a absorção de novos estímulos a serem recebidos para a formação cognitiva destes mesmos parâmetros.

É comum que as pessoas busquem por informações, pois muitas delas são utilizadas para a tomada ou reforço de decisões. Quando usadas para reforço, a dissonância cognitiva tende a ser reduzida ou eliminada.

Segundo Festinger, no livro Theory of Cognitive Dissonance, "a análise da exposição seletiva indica que a melhor forma de reduzir a dissonância é a exposição a informações coerentes com os comprometimentos".

É possível perceber que o indivíduo tem a capacidade simplesmente de excluir ou ignorar, completamente, informações desinteressantes as quais não reforcem suas cognições.

Estudos feitos e publicados no Jounal Marketing Research, por Spence, Engel e Blackwell, em 1970, confirmam a existência destas filtragens. Nas pesquisas realizadas, foi constatado que o reconhecimento da marca de um produto reflete seletividade, pois os consumidores reconhecem suas marcas preferidas mais rapidamente das menos preferidas ou das desconhecidas. Deste modo, em geral, os consumidores aceitam e respondem melhor às marcas que lhes parecem mais familiares ou selecionadas como preferidas.

Trazendo para o campo político:

Tipos de reações do indivíduo à dissonância cognitiva - Comportamento do Eleitor

Quando o eleitor se percebe exposto à dissonância cognitiva, o Martketing especializado em Política e Campanha Eleitoral indica que, existem três soluções básicas para minimizar, reduzir ou anular a dissonância e trazer o eleitor para o seu curral eleitoral, doce manso e adestrado:

1 - Distorção das percepções: 
A distorção aparece quando o eleitor percebe o desconforto da dissonância cognitiva e busca ver ou assimilar apenas os aspectos que lhe interessam. Um exemplo clássico de distorção são as estratégias utilizadas pela mídia nacional, que coloca toda sua força de penetração social em situações que remetam este indivíduo ao bem-estar, momentos prazerosos com aquele grupo no poder, abordagem de grupos seletivos de pessoas e assim por diante, e outros mecanismos similares que farão com que o eleitor ignore as falcatruas associadas aos seus políticos preferidos, a fim de continuar justificando o voto.

2 - Depreciação da fonte da dissonância: 
Ocorre quando os estímulos não podem ser negados por uma evidência concreta. Ou seja, quando o eleitor classe média (aquele dos patos amarelos) se sente rejeitado ou excluído do processo ao qual se entregou piamente. 

Por exemplo:
Uma pessoa deseja muito votar num determinado candidato do partido XYZ. Quando está próximo de votar no sujeito, compartilha da informação para um determinado grupo de pessoas a fim de se afirmar e ser 'aceito' dentro de sua cognição. 

Entretanto o mesmo é ridicularizado por não saber que o determinado candidato está dando muitos problemas, que o partido XYZ não é receptivo e bem quisto no mercado de capital e que a onda agora é apoiar o partido SS que é a boa dica e é aceita pelo grupo; enfim, sente-se rejeitado. 

A partir da dissonância, este mesmo indivíduo começa a afirmar que já suspeitava que o partido XYZ não fosse boa ideia e acha que foi feliz a sua atitude de comentar antes de votar naquele candidato - neste momento ele busca justificar o exibicionismo frustrado como compartilhar de opinião, tentando enaltecer a opinião do grupo - e começa a concordar que o partido SS realmente é melhor, com o objetivo de anular a dissonância.

3 - Busca de apoio social: 

Ocorre quando um grupo é prejudicado por um indivíduo e, assim, todos passam pela dissonância cognitiva de maneira coletiva. A busca ocorre quando o grupo procura 'culpar' um fator externo a reconhecer o verdadeiro erro, para não criar animosidade entre as várias correntes que participaram do processo. 

Um exemplo clássico são os golpes políticos de tomada de assalto do poder legalmente constituído, onde o grupo que comanda a trama, ao chegar ao objeto de desejo, prejudica o grupo e todos justificam passam  a justificar o passado, as fraquezas dos adversários, a educação, a religião, o facebook ou os eleitores dos que sofreram o golpe. 

Principais Fontes:
1 - Dissonância Cognitiva (http://sofos.wikidot.com)
2 - A dissonância cognitiva no marketing (www.administradores.com.br)
3 - Psicologia e Comunicação de Massa (Laércio Goes)



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Odete, a legítima proprietária do Striplex de Brasília

Fora do movimento tradicional que é Odete me ligar, tendo em vista o seu elevado compromisso social, político, societário, judicial etc e tal, tomei a liberdade e a iniciativa de pegar meu Nokia original e buscar-lhe na célula de algum lugar do planeta Terra. 

Falando em ligar a coisa à pessoa, reza a lenda que determinado senhor da mais elitizada turma do pato amarelo, destes que não pagam o pato nem afogam o ganso, apaixonou-se de tal forma pela voluntariedade de Odete pelas causas perdidas, que presenteou-a com o uso irrestrito de um Striplex conjugado às margens do Paranoá. Na retórica das delações caiu em dezenas de contradições, apareceram centenas de documentos, dúzias de testemunhas, mas a sua honra estava salva - o striplex não passou pelo crivo dos bens arrolados, graças às delações luxuriantes de Odete no Ministério da Salvação dos Homens Bons. 

Amore?? Uau, estou trêmula só de saber que você ligou para mim.

Odete, desculpa se o horário é incômodo.

Tem nada de incômodo, amore, estou no striplex do patinho amarelo  - gostou do nome? eu que criei! . Neste momento estou ensinando pole dance para umas meninas moças da nata da sociedade local, iniciadas, articuladas e psicanalisadas. Ao ritmo de Leo Santana, elas fazem de tudo no pole dance. Ouça aí, fecha o olhos e imagina as lolitas se desmanchando aqui no ensaio -  Foi pro baile muito louca / Afim de se envolver / Só tem 18 anos / O que vai acontecer? / Vai dar pt, vai dar / Vai dar vai dar pt ...

Nossa, Odete, que viagem mental  eu fiz agora.

Então, amore, o que está querendo com sua Odete?

Tudo, mas neste momento só uma dúvida, Odete, por que o fenício mandou tirar a faixa do Conde Vlad da Transilvânia Tabajara?

Bem, amore, como sabe, eu só faço delação com provas e testemunhas. Hummm, falando nisto, aprendi uma delação que tenho que fazer com você. Bem, depois, juntos, eu explico como funciona o mecanismo. Bem, voltando ao assunto ...

Sim ...

Dia destes estava no Salão da Gutinha, onde passa toda a vaidade do Plano Piloto. Pois bem, eu soube que o caso do Conde Vlad da Transilvânia Tabajara foi um caso típico de transferência.

Como assim, Odete?

Bem amore, segundo ouvi da Gutinha, ela soube pela Gracinha, prima irmã de Sabrina, que confidenciou-lhe que escutou de Amaralina, que foi informada pela Jojô, secretária recatada e do lar de Claudinha, que lhe disse que ouviu da esposa de Bartolomeu Fisstech, famoso psicanalista de dez entre dez personalidades paranoides da velha república ora instalada, que Dom Fenício, o Velho, ao ver o Conde Vlad Tabajara no desfile, sentado em total silêncio ao lado da sua cônjuge, teve uma crise de transferência em surto.

Crise de transferência em  surto?

Sim, amore, foi um choque terapêutico, como se aquela pessoa estereotipada preenchesse o vazio ou a falta de si ao ver outra pessoa ocupando o cargo que supostamente ocupa. Este vazio que lhe faz falta pelo conflito eu/tabajara importante em sua vida, o levou a gritar - tirem a faixa ... tirem a faixa ...

Uau, então foi isto.

Exatamente, mas, mas agora esquece isso, vem amore para Brasília, fazer uma intervenção em mim, vem, amore, me ter em Brasília. Vou fazer um Pole só para você e ao fundo Leo Santana - Vai dar pt, vai dar / Vai dar pt, vai dar pt ...

Espera, Odete, alô, alô ... espera, não desliga ... tum tum tum ... droga, perdi a faixa ...

É isto ai!


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Meu Deus! Meu Deus! Está extinta a escravidão? Paraíso do Tuiuti 2018

Grêmio Recreativo Escola de Samba 
Paraíso do Tuiuti 
Rio de Janeiro Carnaval 2018


Meu Deus! Meu Deus! Está extinta a escravidão?  

Samba Enredo da Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti  que conquistou o vice-campeonato do Rio de Janeiro em 2018

Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado

O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz

Eu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente

Ê Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor

Amparo do Rosário ao negro benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor

E assim quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel

Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social

Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação


"vampiro neoliberal" em desfile crítico da Paraíso de Tuiuti em 2018
Fonte:UOL / Mauro Pimentel/AFP


Samba Enredo
Clipe Oficial
Presidente: Renato Thor;
Carnavalesco: Jack Vasconcelos;
Enredo: Meu Deus, Meu Deus! Está extinta a escravidão?
Compositores: Cláudio Russo, Moacyr Luz, Jurandir, Zezé e Aníbal.
Intérprete: Nino do Milênio;
Arranjos: Helinho Soares;
Imagens e edição: Rafael Arantes;




domingo, 11 de fevereiro de 2018

Prezado Eu de 2028

Prezado Eu,

Se está a ler esta postagem, é sinal que sobreviveu ao holocausto. Pode ter sido bom ou ruim, não tenho como saber, mas algumas coisas terei que contar para que não fiquem perdidas na retardada falta de memória seletiva da elite bananalandense. Bem, vou enumerar algumas, e acredite sou eu escrevendo para você que sou eu -  por que meu caro, eu vivi para te contar e para ler este post.

Hoje é Domingo de Ramos, então faça uma oração, qualquer uma, não sei qual é o seu credo nesta altura da vida.

1 - Nunca acredite no que é editado e falado nos jornais nacionais, internacionais e universais - são todos mancomunados com a grana que ergue e destrói coisas belas, vidas belas, amizades belas e políticas belas. Sei que com a sua idade você é capaz de concordar em tudo para não ter que discutir, então simplesmente desligue - acredite, é a melhor solução para se viver em paz.

2 - Não ficarei divagando sobre como deverá ser 2028, mas 2018, ah! Eu do Futuro - está uma merda. Se tiver paciência e não acontecer  um apagão de informações, leia o que escrevemos nestes anos todos até chegar a você. Do que sou hoje, alma e neurônios chegarão intactos, o resto são compostos orgânicos em permanente estado de renovação celular, capazes de manter a personalidade sem interferir no que somos ou fomos.

3 - Não beba água (nem mineral) de mananciais cuja origem está no quadrilátero ferrífero das Minas Gerais. 

4 - Não vá a Paris - está um caos.

5 - Cuidado com as vacinas para a sua idade. Eu não tomei, espero que continue assim.

6 - Releia livros clássicos, ouça músicas clássicas e durma de noite, é melhor assim. Eu sofri da insônia por mais de 40 anos, e acho que esta herança deverá ter um fim uma hora.

7 - Nunca generalize sobre tudo, com exceção dos políticos e das grandes corporações.

8 - Guardei naquela lata que ganhei de minha avó materna, lembra dela? - figuraça! Bem, como dizia, guardei na lata sementes de milho originais, não transgênicas, para eventuais emergências - nunca se sabe. 

9 - A probabilidade de você ter o Alzheimer precoce é mínima. Eu investiguei a árvore genealógica até o final do século XIX. Está tudo bem e lembre-se de dizer ao médico que eu/você nunca tivemos falhas da memória, confusão mental ou irritabilidade e agressividade por volta dos 30 anos de idade. Ah, sim, tive dengue três vezes e tomei todas as vacinas compulsórias.

10 - Tome vinho tinto seco com moderação, e de vez em quando um branco. Evite as cervejas, sabe, estão meio esquisitas já nesta década. Fuja dos destilados.

11 - Pague os impostos, por que eles não perdoam nossa rebeldia social.

12 - Não se apaixone, se se apaixonar, nunca deixe entrar o amor, se se amar, deixa o barco correr, uma hora a correnteza encontra pedras e aí dependerá de muitos fatores para romper o casco ou passar com feridas e cortes profundos. 

13 - Procurei deixar o mínimo possível de problemas, dívidas e confusões. Mas claro, não se arrependa dos inimigos, ajudaram a gente a ficar alerta, e conte sempre com os amigos, mas não muito para não ficar desatento demais.

14 - Escreva uma carta para o outro eu de 2038, e claro, terá conselhos mais experientes do que estes. 

15 - Rapaz, o Michel acabou com tudo, então caso não tenha mais a língua portuguesa como língua oficial, guardarei este notebook para sua leitura sem erro de tradução.

16 - E esqueça 1988, não vai voltar.

17 - Se você precisar de viagra para um encontro, desencontre - assista qualquer obra do Ingmar Bergman  e seja o que Deus quiser.

18 - Não volte mais a São Paulo, está ficando cada vez mais esquisita.

19 - Estou deixando para você minha coleção completa do Machado de Assis, do José Alencar, que herdei do meu avô, do Graciliano Ramos que herdei da minha mãe, do Gabriel Garcia Marques que adquiri no decorrer da vida. Como deve se lembrar, existiam dois Nerudas, três Drummond e um Vinícius que debandaram por motivos ora pessoais, ora passionais. E, claro, tem aquela completa dos Pensadores, fraquinha mas interessante e todos do Freud - sim, é verdade - aqueles que nós lemos e estudamos por anos e ... bem, deixa prá lá, faz o que achar melhor com ela. E os Seminários do Lacan, hem!? ... estão ainda guardados junto com todos os Ken Parker.

20 - E , olha, não tem mais tanta coisa assim para falar, apenas siga na estrada que trilhamos e nunca acredite em profecias, videntes e outras coisas do gênero - confie no nosso instinto.

Um abraço! 
PS - Cuida bem das meninas por e para mim!

É isto aí!

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Eu, as grid girls e a quebra da Bolsa



A pátria vai retornando lentamente das férias (extra-oficialmente só depois do carnaval) ao caos do dia a dia com seus cidadãos sem vale-moradia de quase cinco mil reais, nem vale refeição de quase mil reais, nem vale trepadinha de mil e duzentos reais, nem vale dentista, nem vale médico, nem vale farmácia, enfim - cidadãos que valem nada diante da realeza beócia que assombra Bananaland.

Abro as páginas da rede mundial e deparo com a quebra das Bolsas de Valores, tragando para dentro do ralo do esgoto da estupidez humana as moedas criptografadas - nada de novo no front - a elite pensante não dorme enquanto não tirar tudo de todo o mundo que sonha com aquela mulher, com aquele carro, com aquela casa, enquanto baba para as celebridades midiáticas do submundo vip. Sim, do submundo, pois quem manda de verdade nunca dá as caras.

E agora vem a notícia de que a Fórmula Tal, este esporte de relevada importância para a inutilidade humana, produzido e vivenciado somente por e para ricos, vetou as Grid Girls. Valei-me São Periquito Verde das Almas Cangaceiras do Cabrobó, onde já se viu isto? Um esporte inútil retirar de cena a única coisa que dava a ele ares nonsense, com toda aquela atmosfera de Bataclan ao ar livre. 

Enquanto isto a bagunça e a lambança na qual chafurda a trupe golpista  deve-se em parte ao incrível sentimento de viralata complexado e em parte ao rompimento pelo Apache Louco com o apoio logístico pensado, articulado, planejado e executado pelos apaches malucos da tribo BBB (em homenagem aos ex-caciques bushojúnior, billpinton e barracodrama) para detonar com Bananaland e sua vizinha portenha. O Apache Louco de cabelos laranja-rebeldes (aquilo é implante?) que rompeu este círculo vicioso de destruição e devastação (conhecido pelo sugestivo nome de "Primavera") aparentemente tem outras coisas mais interessantes a fazer do que assistir jornal nacional.

O carnaval está chegando e eu nem comecei o ano ainda.

É isto aí!