sábado, 21 de julho de 2018

Dúzias de oito ou "Cenas de uma autobiografia não autorizada"


Na mocidade em BH, lembro que ela vendia rosas na esquina da Tamoios com a Rio de Janeiro, atrás da Igreja São José. Eu gostava de passar por ali apenas para ver seu sorriso, iluminando as manhãs da cidade. Tinha dezessete anos, e aos dezessete anos apaixona-se até pela brisa que por ato do acaso nos envolva num repente da primavera. 

Então foi assim a primeira paixão, uma coisa floral, andarilha e descompassada. Agora estou com dezoito anos, tem a menina da escola, que julguei ser amor eterno (esqueci seu nome) e estou na Afonso Pena, chegando na Curitiba, rumo ao ponto de ônibus. Uma moça linda (inesquecivelmente linda) aos meus olhos me pergunta algo, como as horas, ou uma rua, não me recordo da pergunta. Mas ao olhar seus olhos, estava tão perdida quanto eu naquela cidade. Beijamo-nos ali - demoradamente - e abraçamo-nos apaixonadamente. Beijo e abraço inesquecíveis, cujo sensorial ainda persiste. 

Nunca soube seu nome, sua origem ou seu destino, mas acredito que selamos um pacto de sermos inesperadamente perceptores dos nossos desejos. Não voltei mais àquela esquina, pois na semana seguinte parti para Juiz de Fora, que não saiu de mim até a presente data, mesmo depois de dar a volta ao leste, ao sul, ao nordeste, além mar e trás os montes.

São coisas escondidas  nos segredos mais bem guardados no cofre ultra blindado das memórias. Numa fase difícil, onde tinha poucas respostas para muitas perguntas, encontrei uma solução parcial para estas lembranças persistentes. Em homenagem à florista, de saudosa paixão da pré-juventude, passei a denominar estes pensamentos inconclusivos, mal resolvidos ou indeterminados de dúzias de oito. São dúzias, mas sempre percebendo que ficou alguma coisa faltando ali. No meio deles, acabei encaixando a Teoria do Hiato Passional. E a vida seguiu com ou sem minha vontade.

O Ministério do Ego informa: Por ser este texto parte de uma autobiografia não autorizada, poderá ser suspenso a qualquer momento por força de alguma liminar memorial ou por um tribunal da consciência debochada. Amém! Assim seja!

É isto aí!

2 comentários:

  1. Minas Gerais, 22 de julho de 2018

    Caro Palo,
    Ainda bem que o texto não foi totalmente (porque parcialmente não poderei saber...) censurado por nenhuma instância. Felizmente tive tempo de lê-lo! Que maravilha são as memórias e, mais do que elas, a maneira como nos relacionamos com elas.
    Adorei "as dúzias de oito"...como já gostava do "hiato passional".
    Abraços,
    Amanda

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  2. Minas Gerais, inverno de 2018, ano que não fomos felizes até aqui

    Prezada Amanda

    A memória! Caramba, como estas coisas vão se avolumando, ficando grandes, querendo dizer - olha, eu fiz isto, fiz aquilo. Então eu resolvi voltar ao ponto zero de onde foram nascendo as teses que bancam minha rota de navegação.
    Sim, há censura em tudo, parcial, total ou tipo Summer of '42, um segredo que deve ser revelado sem macular as fontes.
    Abraços

    Paulo

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Gratidão!