sábado, 29 de setembro de 2018

Em algum lugar da Idade das Trevas


Estamos aqui, direto do Templo do Monge Trammas Gazin, que após insistentes pedidos dos seus fieis, fará uma curta aparição para responder sobre quem vencerá a eleição mundial. Senhoras e Senhores, ajoelhem-se diante do Mestre.

Mestre, diante do impasse e da insegurança da choldra, bugres e expertises, transmito ao senhor a pergunta que não quer calar. Quem será o Eleito?

- Meus filhos, os astros revelam que a grande mãe gentil parirá como líder não um latino, mas um descendente do Oriente Médio. 

Então será mesmo o eleito que a massa deleita?

- Humm, sinto decepcionar, mas não será árabe e sim persa. 

Mas, mestre ... como pode isto? Um persa?

- Sim, não um persa qualquer, mas um persa descendente dos que cruzaram o Jordão com Josué.

Um persa hebreu?

- Mais não digo. Não me importunem mais com suas curiosidades. Será assim de uma forma que parecerá ser a forma oficial ortodoxa, mas será de uma forma oficial heterodoxa, digamos assim.

Mestre, por favor... há um sujeito oculto no processo? Por favor, responda só mais esta pergunta.

- Em verdade, em verdade, vos digo que tal qual aconteceu nos tempos da desolação, assim também se dará por ocasião da chegada do persa, porque tal qual aconteceu nos dias que antecederam ao período intangível o povo que está aí nas ruas pulando e gritando em frenesi apartidário, que leva a vida comendo e bebendo com cartão de crédito, com partidos fisiológicos casando-se e oferecendo-se em matrimônio, assim será até o dia em que o intocável subirá a rampa ... ali haverá choro e ranger de dentes.

Mestre ... Mestre ... não entendemos suas palavras ... Mestre ...

- Minhas palavras não são para serem entendidas. O que virá, virá para ser cumprido o que foi combinado nas sombras do Hades,  custe o que custar.

É isto aí! 

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

O metrônomo do coração

Helena Cristina adorava Anita e mal tinha saído da adolescência quando encantou-se com Alfredo Percalço, um jovem sem causa, do hard-rock rebelde e destemperado da comunidade local. Alfredo a princípio não retornou o encanto. Helena num segundo momento conheceu Cezar Polaco, e desistiu do desencanto. Viveram felizes para sempre.

Imaculada Graciosa, fã de Ariana Grande, havia concluído o ensino médio, fez Enem para qualquer coisa que passasse. Tinha cabelos soltos, vestido solto, alma solta e paixão presa a Tolentino Radameny, um mauricinho filho de comerciante bem sucedido da comunidade. Tolentino retornou o sentimento, fez juras de amor, mas tinha ideia fixa em ser alguém. Lalada acreditava que o alguém já o somos. Lalada encontrou um porto seguro em Lázaro Gouveia e foi feliz enquanto durou. Tolentino não deu conta da realidade, aprisionou-se no mundo bi-dimensional onde só existe o certo e o errado, fugiu de si, perdeu seu grande amor e foi infeliz para sempre, ouvindo música brega do anos 1970.

Margareth Kettlem curtia MPB quando iniciou o curso de ciências sociais. Ali conheceu Alberto Gomès, um caribenho descolado, vegano de ervas finas cultivadas em estufa com energia solar. Alberto a ensinou os passos do Mambo e foram felizes para sempre até que Margô enjoou daquele ritmo, optou pelo blue jazz, mas aí é outra historia, onde entra Geraldinho do Sax.

Cresolda Garcia amava valsas vienenses e sertanejo universitário, sonhava com contos de fada, lia todos os livros românticos, chorava em todos os filmes de final feliz. Enamorou de Kreto, mas desdenhou das suas notas graves. Enamorou de Jota Lima, mas detestava seu gosto por jazz. Enamorou de Peter Blair, mas assustou com seu péssimo gosto por pagode. Enamorou de Dedé Juras, mas foi desqualificado pelo amor ao funk. Enamorou de Deoclides Rocha, mas condenou-o pelo péssimo gosto por som experimental. Enamorou-se deste mas era cantor de bar, daquele mas era muito desafinado, daquele outro mas não conhecia Strauss e Zoldinha até hoje espera o príncipe no cavalo branco.

É isto aí!

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Anoushka Shankar e Patricia Kopatchinskaja - Raga Piloo

Anoushka e Patricia Kopatchinskaja homenageando o incrível violinista e maestro Yehudi Menuhin em seu centenário . "Raga Piloo" é uma peça musical incluída no álbum "West Meets East vol-2", originalmente gravada por Ravi Shankar e Yehudi. 

Anoushka Shankar sitar 
Patricia Kopatchinskaja violin 
Tanmoy Bose tabla 
Pirashanna Thevarajah mridang 
Kenji Ota tanpura


Capricho Arabe (F. Tárrega) - Alexandra Whittingham

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

As previsões do Mago da Pitangueira

Subi o Monte da Contemplação para encontrar-me com o Grande Mago da Pitangueira e saber das previsões para a vizinha Pindorama, terra onde jorra o leite e o mel.

- Mestre! É possível prever o futuro político de Pindorama?

- Sim, meu filho. O tempo é um continuum eterno, não existe passado ou futuro, tudo é presente.

- Então, Mestre, diga-me quem ganhará o pleito majoritário de Pindorama?

- Haverá eleição, meu filho?

- Sim, Mestre. Haverá!

- Haverá eleição com candidatos probos, honestos, responsáveis, patriotas, educados, respeitosos, trabalhadores, servidores da vontade popular, fieis aos desejos do povo, defensores da nação, que jamais traíram ou trairão o eleitor? Serão capazes de combater a fome, a miséria, o desemprego, a violência, o crime organizado por dentro e por fora e a desigualdade social?

- Bem, Mestre ...

- Meu filho, então não haverá eleição. Haverá um grande espetáculo e os personagens permanecerão os mesmos, apenas com atores diferentes.

- Grato, Mestre!

É isto aí! 

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Se eu pudesse trincar a terra toda / Fernando Pessoa




Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
E se a terra fosse uma coisa para trincar
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

7-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luís de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946.  - 45.

Fonte Vídeo: Arte dos Poetas

sábado, 1 de setembro de 2018

Kafka é terrível, mas seus discípulos além Tejo são piores.

Um ensaio sobre o livro O Processo, de Kafka

Franz Kafka*

O acusado

A história de Josef K., funcionário de uma instituição financeira, apresenta momentos de alucinações e se aproxima de uma realidade, cruel, vivida por um jovem acusado – sem saber do que – por uma justiça burocrática, incompreensível, autoritária, perdulária e inacessível.

A narrativa aborda a insatisfação feminina, diante da forma como as mulheres são tratadas pela sociedade.

A mulher do oficial da justiça, cuja casa em que mora serve para a realização de reuniões de interrogatórios, mostra-se insatisfeita e disposta a ir para qualquer lugar com o protagonista da história.

Josef K., em visita à casa do oficial da justiça, flagrou o estudante de direito Berthold aguardando a mulher do citado funcionário, para levá-la até o juiz de instrução, objetivando manter relacionamentos amorosos.

A enfermeira Leni, outra mulher da história, cuida do advogado responsável pela defesa do processo de Josef K., e se oferece a ele. Sentou-se em seu colo, no primeiro dia que o conheceu e mostrou-se disposta a ajudá-lo.

O leitor fica sem saber se as atitudes femininas, relatadas por Kafka, tiveram a intenção de refletir a realidade à época ou se o texto aflora uma percepção, equivocada, da sua autoestima.

Em momentos de delírios, Josef K., ridiculariza a justiça.

Preguiça, ausência de controle e suborno

Afirma que a falta de investigação ou a interrupção dela ocorria por preguiça, esquecimento e medo característico dos funcionários públicos.

Contrapõe-se ao relatar que a continuidade das investigações poderia ocorrer para forçar a oferta de suborno, por parte do acusado.

Cita que o funcionário responsável pela negociação do suborno vestia-se bem, por recomendação dos colegas, para facilitar o desempenho na tarefa. Ou seja: a empáfia criada pela vestimenta induzia a elevação do valor do suborno.

O autor refere-se à justiça com severidade. Em algumas situações, expõe e castiga os funcionários que não desempenham as tarefas de forma eficaz. Dois guardas são chicoteados pelo espancador, por não cumprirem, adequadamente, as tarefas.

A capacidade do autor de dizer e desdizer, afirmar e contradizer, intuir e desentender chega a ponto de descrever cenas não ligadas diretamente à história, só para levar o leitor a divergir do que já havia concordado.

Conveniência e compreensão

Afirma que as nossas opiniões, muitas vezes, são expressões do desespero.

Chama a atenção para o fato de nos pronunciarmos a respeito de determinadas coisas conforme as nossas conveniências.

Kafka é terrível! Leva o leitor para onde ele quer, em seguida, o devolve à sua própria consciência ao afirmar, com maestria.

“A compreensão correta de uma coisa e a má compreensão desta mesma coisa não se excluem de todo”.

O livro é assim!

Quando se imagina que a solução foi justa, de justiça, ocorre o pior: condenam e matam um homem que não sabe do que foi acusado, sem direito a defesa.

A busca incessante das suas verdades o leva a sacrifícios da própria consciência.

Trata-se de um clássico da literatura mundial.

É isto aí!

Pequena nota biográfica de Kafka

*O escritor Franz Kafka nasceu no dia 3 de julho de 1883, em Praga e morreu, aos quarenta anos, de insuficiência cardíaca, no dia 3 de junho de 1924 em Klosterneuburg, Áustria.

Filho uma família judaica de classe média, seus pais Hermann Kafka (1852-1931) e Julie Kafka (1856-1934) eram comerciantes.

A maior parte da população de Praga à época falava tcheco.

Era visível a divisão entre os que se expressavam em tcheco e alemão.

A língua era usada para fortalecer a identidade nacional.

Franz Kafka se expressava nas duas línguas, escrevia em alemão por considerar a sua língua materna.

Era o mais velho dos seis irmãos.

Georg e Heinrich, morreram antes do escritor completar sete anos e as irmãs Gabriele, Valerie e Ottilie morreram durante o holocausto, na Segunda Guerra Mundial.