sexta-feira, 31 de julho de 2020

Diário de Bordo Pitangueira Venture I


Data estelar  302418.79509461636

Diário de Bordo
Pitangueira Venture I
A primeira nave de sonhos reais a ser lançada do Reino da Pitangueira

Nossa jornada começa na Base de lançamentos da Pitangueira rumo ao sistema solar de Debelle PA 56. 

Finalmente após quatro semanas de intensas emoções variando das lágrimas à tristeza, verifiquei os sistemas da nave na Doca Espacial e consegui sentar em minha poltrona de capitão, olhar firmemente a tela principal e pensar como será esta aventura; o que nos espera? 

Toda minha vida me preparei para este momento, e só agora sinto-me preparado para tomar o rumo da exploração espacial num novo céu. O espírito da curiosidade humana me impulsiona a ir aonde ninguém jamais esteve, mas tenho consciência que pode ser um caminho sem volta.  Por isso necessito que seja uma ação audaciosa e vibrante para o sucesso do empreendimento, em função disto sou capaz de poder confiar meus sonhos dando minha vida a bordo desta nave.

Partirei da Doca Estelar para a Estação PEUS-A 60 com intuito de embarcar a tripulação que importa e rumar para as fronteiras do Quadrante Alfa 20-21, juntos passaremos ainda por algumas bases estelares para serviço de rotina, mas a partir da Estação dos Anéis de Saturno estaremos sozinhos e rumando para o desconhecido.

Registre-se que a partir deste instante a Pitangueira Venture inicia sua missão ímpar e emocionante.

Ao dar a voz de comando, o Navegador deverá marcar curso para Estação Ville DE 56, dobrar fator X e acionar as turbinas. Daí para frente nada mais será como antes, pois tudo o que importa está no meu sonho.

É isto aí!


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Sinhá Guabinha e a natureza do amor


Nada dói mais que amor sem eira, refletiu no alpendre do sobrado, de frente para a praça da Matriz. Eira é um espaço plano com um chão duro, onde os cereais eram malhados e peneirados, depois de colhidos, com vista a separar a palha e outros detritos dos grãos de cereais. Amor sem eira seria aquele amor onde não se tem onde trata-lo, aquele amor solto, sem ter como cuidar da sua intimidade. 

Desceu do sobrado, saiu na rua do Carvalho, passou pela ladeira das Lavadeiras, atravessou a Ponte das Velhas, do outro lado, numa trilha descalça e lamacenta, seguiu pisando as botas pelas beiradas até chegar na casa de Sinhá Guabinha, uma senhora de forças celestiais na Terra. Dizia-se que era um anjo revestido de gente. De idade não sabida, tão velha quanto o povoado, o recebeu com olhar terno e sorriso largo, abrindo os braços para um abraço. Era assim que recebia a todos.

- Sinhá Guabinha, vim aqui curar mal de amor.

- Se acomode, moço, que a tarde é lenta, os pensamentos é que tratam de ficar voando.

- Puxou o banco, enfiou as pernas e acomodou-se à mesa tosca onde tinha um bule de cafe  e biscoitos de nata.

- Eu sei o que o moço veio procurar, já sabia que vinha, disse a Sinhá.

- Então, Sinhá, o que eu faço?

- Meu filho, quando você a quis, ela não te quis, quando ela te quis, você a desprezou e agora um quer o outro, mas a vida andou, as coisas se moveram, as estações do ano fizeram suas partes, e as suas vidas fugiram do destino traçado.

- Verdade, Sinhá, mas eu a amo muito.

- Moço.ela também o ama muito.

- Então, Sinhá?

- Guardem este amor para si. Deixem a natureza cuidar de tudo, não peçam as interferências do céu, pois foram vocês que criaram esta situação.

- Então não tem nada para fazer?

- Moço, você a ama, ela o ama, então respeitem este amor e o entreguem ao Criador, e só ele saberá o que fazer.

- Mas Sinhá, e o tempo?

- Olha, moço, diferente de um rio que corre, o tempo não se comporta da forma como o percebemos. Passado, presente e futuro existem simultaneamente, mas em dimensões diferentes.

- Ou seja?

- Ou seja, vocês estão juntos para sempre em dimensões superiores. Tenha paciência, moço, tenha paciência.

- Gratidão, Sinhá!!!

- Vai com Deus, meu filho!

É isto aí!

"Carta ao Povo de Deus" (Carta dos 152 Bispos da CNBB)



Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?

"Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo.

Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados [...], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus [...] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta.

É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor.

O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.

Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso país à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença.

É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro.

Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020).

Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela covid-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço.

Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo.

É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população.

O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço.

Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais.

O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas.

No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no país, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.

Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil.

Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel.

O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à covid-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020).

Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário.

Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça?

O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos.

Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.

Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs.

É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).

Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).

O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós.
O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26).

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Traços rápidos de tristeza (Paulo Abreu)


É verdade que amo você!
tendo lógica ou não
dentro das memórias
ninguém percebe as
sementes da solidão

E sempre haverá
o porém perpétuo
o dolo purgatório
pelos séculos dos séculos
a crucificar a razão

Termos de conduta
acordos espúrios
carmas protelatórios
não cabem mais 
entre minhas emoções

É isto aí



quinta-feira, 23 de julho de 2020

Luiz



Quando nasci já havia um par de  irmãos em casa e depois vieram mais um par. Fiquei ali, no meio, ora era da turma mais velha, ora era da turma mais nova. Infância em casa com quintal era uma disneylandia com muito mais fantasias. Cada um tinha sua árvore, cada um seu canto e seus sonhos.

Neste momento que escrevo me despeço do meu irmão primogênito, e cá para nós, toda morte é prematura, todo mundo morre antes do tempo e todo mundo vai embora qualquer dia destes. É a inevitabilidade única da vida, passar pela morte para atingir o céu. Eu creio nisto. 

Então esta postagem é para o Luiz, que viveu intensamente, de uma forma reta, a vida. Combateu o bom combate e agora o tempo nesta dimensão termina, aos poucos, devagar, numa enfermidade estranha, como são estranhas todas as formas de adoecer.

Não vou estender, não vou procurar palavras que toquem a alma das pessoas, nada isto agora vai locupletar o vazio que sua vida entre nós deixa. Tudo valeu apena, agora é com a Eternidade, a vida semeada aqui deverá ter frutos já a aguarda-lo nesta noite.

Como este blog vai além da minha existência, tem como interesse ser um legado de parte da minha história, registro aqui estas palavras. Um abraço, adeus e até breve, meu irmão!

É isto aí 

terça-feira, 21 de julho de 2020

Amavisse (Hilda Hilst)


Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.


Um pouco sobre a grandiosa Hilda Hilst:

Uma das maiores escritoras da literatura brasileira, aos poucos Hilda Hilst (1930-2004) vem sendo descoberta recentemente pelos leitores do seu país. Provocadora, polêmica, questionadora, autora de prosa e poesia, a escritora ficou especialmente conhecida pelos seus versos apaixonados.

Os versos acima compõem a parte II de uma série de vinte poemas publicados em 1989 sob o título Amavisse. A lírica amorosa de Hilda Hilst, até então pouco conhecida pelo grande público, foi lançada pelo selo Massao Ohno. Mais tarde, em 2001, Amavisse foi reunido com outros trabalhos e acabou por ser publicado numa antologia chamada Do desejo.

O título do poema acima já chama a atenção do leitor, Amavisse é uma palavra latina que, se traduzida, quer dizer "ter amado". De fato, os versos retratam uma paixão profunda, com uma entrega sem fim por parte do eu-lírico.

A composição de Hilda Hilst é altamente erótica, basta reparar nas expressões sensuais utilizadas como "assim te apreendo brusco", "te respiro inteiro". Há um excesso, uma violência, um desejo de posse, de trazer o outro para capturá-lo.

É interessante observar que o poema carrega os três elementos essenciais: fogo, ar e água. O fogo pode ser lido no verso "favas douradas sob um sol amarelo”; o ar e a água são encontrados no trecho “um arco-íris de ar em águas profundas”.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Cruzando a linha amarela


Jurou nunca mais ultrapassar a linha amarela do bom senso e das palavras, sobretudo, mas aquilo era um destes  juramentos mais sofridos que alguém faz a outrem que ama. A moça impôs que a partir de então deveriam conversar como membros da realeza britânica, com muita pompa e palavras polidas. Como em pleno século XXI uma pessoa pede uma coisa destas? - pensava em tempo integral.

Teve que se reinventar, falar de coisas da natureza, do universo e das lembranças que os uniam. Aquilo deveria ser um abatimento para galgar pontos no céu, só podia ser isto, refletia sempre nas suas orações - olha aqui Jesus, ajuda aí, fala com ela que ser polido em tempo integral, não falar palavras que referem à intimidade do casal, nem palavras de duplo sentido, está difícil,  muito difícil.

Imaginou-se num ambiente de serviço público qualquer, retido por uma faixa amarela no chão, com uma placa em letras imensas - não ultrapasse a faixa amarela para a sua segurança. Inibido e para não provocar constrangimento, não ultrapassava mas também não falava tudo que queria. Daí a ideia de fazer um código secreto, mas faltou avisar, foi quando ela achou aquilo tudo muito estranho, e a ideia naufragou na origem.

Então refletiu bastante e procurou utilizar de ferramentas simples, nada de códigos secretos. Intuiu que o melhor era pensar em outra coisa, num código morse, talvez. 
Assim ao dizer "Você é uma delícia", bateria sobre a mesa:

   ...- --- -.-. / / ..- -- .- / -.. . .-.. -.-. .. .- ;

ou então a descrição preferida dele para enaltecer aquele corpo maravilhoso:: 

-... . .. .--- .- .-. / ... ..- .- / -... --- -.-. .- --..-- / - --- -.-. .- .-. / ... ..- .- ... / -.-. --- -..- .- ... --..-- / .- ..-. .- --. .- .-. / - --- -.. --- / --- / ... . ..- / -.-. --- .-. .--. --- / / -.. . / ..- -- / -.. . .-.. .-. .. --- / ... ..- .--. .-. . -- --- .-.-.-

Viu que não dava certo, esquecia algumas letras e ela achava que estava com TOC. Desistiu do código, mas as palavras ficaram. Assim fez um pequeno dicionário picante para passar por debaixo da faixa amarela.

Quando a chamava de Canela, estava na realidade querendo dizer que além de ser deliciosa e ardente, ela também acelerava seu metabolismo. 

Ao compara-la ao Cardamono, significava que ela era a promotora do seu equilíbrio vital.

Pimenta Chili, hummmm, estava dizendo que conforme ela aumentava sua energia, ela o fazia ir mais devagar, inspirando-o a repetir pelo menos três vezes, de uma forma mais saudável.

Se a chamasse de Pimentinha Preta, uau, queria dizer ela promovia nele uma complexa trama metabólica capaz de ajudar a reduzir o tamanho da cintura, a gordura corporal e otimizar os níveis de colesterol. 

Quando se referia a ela como Pimenta Caiena, era pela sua capacidade termogênica, ou seja, sabia como fazer tudo na temperatura certa, e tem lá o refino da sua ardência, mas também promove a queima de gordura em até 16%.. Não tem nada igual.

E ao chama-la de minha Malaguetinha, levava em consideração os poderes cárdio-vasculares elevados da danada.

Não deu certo, picante pelo gosto que dão, pelo sabor que permitem ser degustadas, ficou como aprendizado, ou seja, melhor aprimorar o vocabulario.

É isto aí!

domingo, 19 de julho de 2020

Ah! Moça! (Paulo Abreu)


Tem o destino certo 
que se trata daquele 
que estava escrito 
e tem o destino errado, 
que simplesmente se trata
daquele que a gente escreve 
e insiste permanecer nele.

Ah! Moça!
eu sou o sujeito oculto
do coração constrito
num tempo colapsado
pelo que a vida retrata
àquele que se atreve
a abrir mão da liberdade.

Ah! Moça!
experiências não contam
aventuras se perderam
sorrisos se foram
e ficou a dor do rito
de todo dia saber que
o destino certo era a felicidade.

É isto aí!


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Eu te amo (Chico Buarque/Tom Jobim)



Eu te amo
(Tom Jobim & Chico Buarque)

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Se, ao te conhecer, dei pra sonhar fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feitos dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não acho que estás só fazendo de conta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Me conta agora como hei de partir 


Fonte Youtube: Eu Te Amo 
Cantora: Maria Beraldo (é cantora, compositora e clarinetista brasileira)
Autores: Chico Buarque e Tom Jobim - foram parceiros de algumas canções inesquecíveis. Uma das principais é “Eu Te Amo”. Lançada em 1980, esta música romântica expunha os dramas de um amante desesperado na hora do término da relação. Como seguir em frente após uma tórrida paixão? 
Fonte da Imagem: Alto Astral 




quarta-feira, 15 de julho de 2020

Capela da Paz Perpétua de Adoração do Santíssimo Sacramento em Niepokalanów - Polônia

12 estrelas na coroa de Maria Rainha da Paz

O trabalho de criação da Capela da Paz Perpétua de Adoração do Santíssimo Sacramento em Niepokalanów foi iniciado em 2017. A criação da Capela foi durante muitos anos o desejo do mosteiro e da comunidade paroquial, bem como dos peregrinos que visitavam este lugar especial. Inicialmente, esperava-se que fosse uma capela que servisse às comunidades e peregrinos locais. Começou o trabalho de design, encomendando o altar ao estúdio Drapikowski de Gdańsk. 

O conceito do altar surgiu em 1934, através de uma visão do Padre Kolbe, em missão no Japão..

No entanto, a providência de Deus tinha outros planos. Em 2017, a carta de Padre Kolbe, hoje santificado como São Maximiliano e descreveu no contexto da carta, o desenho do altar resultante. Já em 1934 era um homem santo. O padre Kolbe escreveu do Japão para a Polônia: "Imagino a bela figura da Virgem Imaculada em um grande altar, e contra ela um Ostensório na exposição aberta do Santíssimo Sacramento".

Essa era a forma do desenho conceitual do altar. Este evento extraordinário foi o motivo direto pelo qual a Associação Communita Regina della Pace propôs em novembro de 2017 que a oitava estrela encontrasse seu lugar em Niepokalanów. O padre provincial Wiesław Pyzio concordou com isso. O projeto foi iniciado, o que exigiu uma série de obras e emprego de muitos empreiteiros, e a capela teve que ser organizada do zero, porque a sacristia já havia estado nesta sala antes. Os trabalhos eram complicados e difíceis, porque não podiam perturbar as missas e os serviços realizados na basílica.

No entanto, nenhum trabalho material era a essência da empresa. Seu principal objetivo, realizado com total determinação, era construir uma capela espiritual no coração das pessoas. Desde o início, a base do empreendimento era a oração, a oração altruísta oferecida pelo coração. Especialmente os paroquianos da Ordem Imaculada, mas também o apoio de pessoas de todo o país e até do mundo. O objetivo comum de buscar a paz no coração das pessoas uniu todos.

Paralelamente, foram coletadas intenções de todos os doadores, que foram cuidadosamente coletados, acondicionados em cassete de aço e colocados nos degraus do altar de adoração. Essas intenções, orações e ações de graças permanecerão aqui para sempre, como um sinal de fé das pessoas envolvidas neste empreendimento. É também o maior presente para as gerações que farão seus pedidos nesta capela. 

Por fim, a intenção foi orar por aqueles que orariam na capela. Como escreveu Padre Kolbe: "quem olha para a igreja, cai de joelhos, adora, olha para o rosto da Virgem Imaculada, vai embora e lida com o Senhor Jesus".

A essência da oração pela paz é a sua continuidade no mundo, independentemente do fuso horário, local e circunstâncias. A oração é fluir constantemente e mudar o coração das pessoas, para que elas sejam cheias de paz. O Senhor diz: Eu darei a você um novo coração e um novo espírito, darei a você um coração de pedra e darei a você um coração de carne. Ezek 36.26.

Mais informações em: kaplica.niepokalanow.pl
Facebook: www.facebook.com/kaniepokalanow

Se a imagem da Adoração ao Santíssimo Sacramento desaparecer, entre em contato conosco por e-mail:
redakcja@ewtn.pl
ou pelo telefone +48 575 935 777

#Perpetualadoration #Adoração #SaintMaximilian

domingo, 12 de julho de 2020

Eu amo você! (Paulo Abreu)


Dentro da flor
estames e carpelos
fazem a vida protegida
por sépalas e pétalas

Assim como  você
tem consigo a lida
de zelar e transformar
a vida em coisas belas

Eu amo você
sua presença singular
sua magia benfazeja
 sua rara candura

Deleito em abraçar
seu corpo, sua alma
seu coração cálido
e degustar sua doçura

Você é uma delícia
uma obra de arte
graciosa na moldura 
do nosso amor.

(Paulo Abreu)

É isto aí!

A Hora íntima - Vinícius de Moraes

A Hora Íntima
Vinícius de Moraes
Rio de Janeiro , 1950


Quem pagará o enterro e as flores 
Se eu me morrer de amores? 
Quem, dentre amigos, tão amigo 
Para estar no caixão comigo? 

Quem, em meio ao funeral 
Dirá de mim: - Nunca fez mal... 
Quem, bêbedo, chorará em voz alta 
De não me ter trazido nada? 

Quem virá despetalar pétalas 
No meu túmulo de poeta? 
Quem jogará timidamente 
Na terra um grão de semente? 

Quem elevará o olhar covarde 
Até a estrela da tarde? 
Quem me dirá palavras mágicas 
Capazes de empalidecer o mármore? 

Quem, oculta em véus escuros 
Se crucificará nos muros? 
Quem, macerada de desgosto 
Sorrirá: - Rei morto, rei posto... 

Quantas, debruçadas sobre o báratro 
Sentirão as dores do parto? 
Qual a que, branca de receio 
Tocará o botão do seio? 

Quem, louca, se jogará de bruços 
A soluçar tantos soluços 
Que há de despertar receios? 

Quantos, os maxilares contraídos 
O sangue a pulsar nas cicatrizes 
Dirão: - Foi um doido amigo... 

Quem, criança, olhando a terra 
Ao ver movimentar-se um verme 
Observará um ar de critério? 

Quem, em circunstância oficial 
Há de propor meu pedestal? 
Quais os que, vindos da montanha 
Terão circunspecção tamanha 
Que eu hei de rir branco de cal? 

Qual a que, o rosto sulcado de vento 
Lançará um punhado de sal 
Na minha cova de cimento? 

Quem cantará canções de amigo 
No dia do meu funeral? 
Qual a que não estará presente 
Por motivo circunstancial? 

Quem cravará no seio duro 
Uma lâmina enferrujada? 
Quem, em seu verbo inconsútil 
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda. 

Qual o amigo que a sós consigo 
Pensará: - Não há de ser nada... 
Quem será a estranha figura 
A um tronco de árvore encostada 
Com um olhar frio e um ar de dúvida? 

Quem se abraçará comigo 
Que terá de ser arrancada? 
Quem vai pagar o enterro e as flores 
Se eu me morrer de amores?

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Jazzilian- Samba em Prelúdio


Artist: Jazzilian
Song: Samba Em Preludio

Music By: Baden Powell
Lyrics by: Vinicius de Moraes
Licensed: Tonga Editora
Arranged and produced by: Jose Gallegos
Associate Producer: Sergio Brandao
Vocals — Beatriz Malnic
Bass — Don Wilner
Drums — Jose Duque 
Piano — Jose Gallegos

Special Guests
Romero Lubambo — A.Guitar
Billy Ross — Sax and Flute
Recording studio - M Plus Music, Miami Fla
Audio Engineer — Waldy D
Mixed by — Sammy Velazquez

Jogal Music Co. BMI
Tonos Music Publishing
Tonos Music GMBH

FLOR AMOROSA (Joaquim Callado e Catullo da Paixão Cearense) por Lysia Condé


Flor amorosa
Catulo da Paixão Cearense

Flor amorosa, compassiva, sensitiva, vem porque
É uma rosa orgulhosa, presunçosa, tão vaidosa
Pois olha a rosa tem prazer em ser beijada, é flor, é flor
Oh, dei-te um beijo, mas perdoa, foi à toa, meu amor
Em uma taça perfumada de coral

Um beijo dar não vejo mal
É um sinal de que por ti me apaixonei

Talvez em sonhos foi que te beijei
Se tu pudesses extirpar dos lábios meus
Um beijo teu tira-o por Deus
Vê se me arrancas esse odor de resedá

Sangra-me a boca, é um favor, vem cá
Não deves mais fazer questão
Já perdi, queres mais, toma o coração
Ah, tem dó dos meus ais, perdão
Sim ou não, sim ou não
Olha que eu estou ajoelhado

A te beijar, a te oscular os pés

Sob os teus, sob os teus olhos tão cruéis
Se tu não me quiseres perdoar
Beijo algum em mais ninguém eu hei de dar
Se ontem beijavas um jasmim do teu jardim

A mim, a mim
Oh, por que juras mil torturas
Mil agruras, por que juras?
Meu coração delito algum por te beijar não vê, não vê
Só por um beijo, um gracejo, tanto pejo
Mas por quê?

CORTA-JACA (Chiquinha Gonzaga e Machado Careca) por Lysia Condé


Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Este passo tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Quem me vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
Um flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca!

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Mas ... onde vai a felicidade?


Chorou pela última vez às quatro horas da manhã. Teve um sonho estranho onde as pessoas não se encaixavam nas cenas. Era como um teatro do absurdo, cuja expressão foi cunhada pelo crítico inglês Martin Esslin (1918 - 2002) no fim da década de 1950 para abarcar peças que, surgidas no pós-Segunda Guerra Mundial, tratam da atmosfera de desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno por meio de alguns traços estilísticos e temas que divergem radicalmente da dramaturgia tradicional realista. .
Levantou-se com dificuldade pela dor nas articulações, fez as orações e o rito da ablução tantas vezes repetidas que já não fazia sentido inverter a ordem. Foi à cozinha, preparou o café, sem açúcar - de doce já basta a vida, repetia sempre. Sentou-se à mesa, na copa, de frente para as montanhas, na gelada manhã que demorava a se pronunciar e contemplou o nada.

Passou na memória uma fala do personagem Vladimir em "Esperando Godot" , obra imortal do Nobel da Literatura, o irlandês Samuel Beckett (1906 - 1989):

“O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, dentro desta imensa confusão, apenas uma coisa está clara: estamos esperando que Godot venha…

O certo é que o tempo custa a passar nestas circunstâncias, e nos força a preenchê-lo com maquinações que, como dizer, que podem, à primeira vista, parecer razoáveis, mas às quais estamos habituados. Você dirá: talvez seja para impedir que nosso entendimento sucumba. Tem toda a razão. Mas já não estaria ele perdido na noite eterna e sombria dos abismos sem fim?” (Vladimir)

Enquanto tomava o café, meditava: na fala de Vladimir e nos absurdos da sua vida.

O que estou fazendo aqui? Pensou e a refletiu que a resposta nunca vem - Godot, Deus, os Anjos, os Santos, o Sentido da Vida, a Felicidade ou quem de direito de igual quilate nunca aparece para dar explicações, filosofou .Mais uma vez chorou, percebeu o imenso vazio da solidão no meio de sete bilhões de humanos vivos no mesmo planeta. 

- Viver é arriscado demais, pensou, não tem manual de instruções e a única certeza é a morte, mas enquanto elas não aparece, qual caminho tomar? Onde ir? O que fazer? Alguém em algum lugar deve ter a resposta, mas espere, eu tenho a resposta ... hummmm ... melhor que não, mas espere, tenho outra resposta ... hummmm, será? Não, melhor que não. Amanhã pensarei nisto novamente ... não, espere, eu já sei ... hummmm ... não vai dar certo. Quem sabe quando eu encontrar coma  felicidade saberei a resposta? É isto!!!! Encontrar com a felicidade. Mas ... onde mas a felicidade? 

É isto aí!


Você está com vergonha de mim?


O casal entrou em crise de relacionamento. Primeiro o rompimento, depois as aproximações discretas e por fim o canal aberto para a discussão do cerne da questão.

- Querida, preciso ter uma conversa séria com você.
- Sim amor, pode falar, que eu te escuto.
- Você está com vergonha de mim? perguntou o rapaz.
- E por que eu deveria ter vergonha de você? respondeu a moça.

Então ele recuou. Que pergunta estúpida foi esta que eu fiz? Pensou, mas não disse. Fingiu que não escutou a réplica e ficou refletindo - por quê ela teria vergonha de mim? 

A verdade é que a rebatida da amada acabou com todos os argumentos possíveis e a serem inventados. Ali, no golpe seco da raquete na genial devolvida da bola, ela fechou o set que lhe deu o game num lance fenomenal, que só as grandes campeãs de tênis são capazes de jogar.

Já sei, pensou, eu não perguntei se ela tinha vergonha da minha pessoa e sim se ela tinha vergonha de si em relação à minha pessoa. Não, espera, não foi nada disto. Eu quis saber se a vergonha é um elemento que pode intervir no nosso, digo, no meu, digo, no dela, enfim, a vergonha em si não seria o problema.

Evoluiu um pouco mais o raciocínio, colocando-se no campo de novas hipóteses, mas acabou ficando sem argumentos - Mas que mulher danada esta, hem! Numa única bola levantada ela bate seco e liquida a discussão. 

Enquanto pensava pensava, de longe foi ouvindo uma voz mansa, gostosa, meu bem ... meu bem ... me beeeeemmmm...meu bem ...

Era ela a chamar-lhe ao mundo real. No que você estava pensando?

Olhou para ele, bem no fundo do olhar dele e disse com sua voz aveludada, no tom feminino da sedução total - meu bem, me abraça apertado e me beija logo, vai.

Eu te amo!
Eu também te amo!
Você sabe tudo, querida.
Você sabe tudo, eu acho, querido.

Neurônios aceleraram ... O que será que ela quis dizer com "eu acho"? Descobri, eu sabia, ela tem vergonha de mim por que eu não sei jogar tênis e rebater tão bem quanto ela.

Mas o dia era dela - amor, para de pensar, foca em mim, sua delícia, e me beija mais mais mais, me aperta, me chama de delícia ...

Mais tarde:

Ainda estou aqui pensando. Espera...tem nada a ver com tênis, raquete, voleio, set e game. É um enigma. Ainda vou decifrar o segredo deste "eu acho"... Pronto, agora posso apagar a luz.

Amor, para de pensar ... vem deitar comigo ...

É isto aí! 

A verdade é, na sua essência, anônima.



Foto   : Pintura da série Weird Beauty traz perfil em preto pintado sobre rosto de modelo para criar ilusão de ótica (Foto: Alexander Khokhlov e Valerya Kutsan)


O que é a verdade?

Na sua essência, é anônima, salvo um ou outro pensamento nominal, já a mentira tem data, testemunhas oculares, ocorrência, provas materiais e circunstanciais a gosto dos ouvintes e expectadores ... (Paulo Abreu)

Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas.(Friedrich Nietzsche)

Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.(Luis Fernando Veríssimo)

As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.(Friedrich Nietzsche)
    
Nem todas as verdades são para todos os ouvidos.(Umberto Eco)

As verdades podem ser nuas - mas as mentiras precisam estar vestidas.(cultura judaica)
 
Sempre acabamos adquirindo o rosto das nossas verdades.(anônimo)

Não procure a verdade fora de ti, ela está em ti, em teu ser. (anônimo)

Dentre os mais dignos predicados de um homem está o de saber dizer a verdade. (anônimo)

A maioria das verdades fundamentais da vida parecem absurdas da primeira vez que as ouvimos. (anônimo)

A verdade se corrompe tanto com a mentira como com o silêncio.(Cícero)

Todas as grandes verdades começam por ser blasfêmias. (anônimo)

A verdade jamais é pura e raramente é simples. (Oscar Wilde)

A paz exige quatro condições essenciais: verdade, justiça, amor e liberdade.(João Paulo II)

Não existem meias-verdades. (anônimo)

Que as mentiras alheias, não confundam as nossas verdades. (anônimo)

Seja o dono da sua própria verdade, não deixe que o mundo as criem para você. (anônimo)

Duas semi-verdades não fazem uma verdade. (anônimo)

Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir. (Sócrates)

A verdade é filha do tempo, e não da autoridade. (Galileu Galilei)

A justiça pode irritar-se porque é precária. A verdade não se impacienta, porque é eterna. (Rui Barbosa)

Falar a verdade é sempre mais eficaz a longo prazo do que qualquer mentira bem elaborada. (anônimo)

Três coisas não podem ser escondidos por muito tempo: o sol, a lua e a verdade. (Buda)

A verdade não tem valor enquanto houver a ausência de vontade indomável de transformar essa percepção em ação! (anônimo)

De erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade.(anônimo)

A verdade de outra pessoa não está no que ela te revela, mas naquilo que não pode te revelar. Portanto, se quiser compreendê-la, não escute o que ela diz, mas antes, o que ela não diz. (anônimo)

Depois da primeira mentira, toda verdade vira dúvida.(anônimo)

Mesmo que tente distorcer a verdade, certamente chegará o momento em que ela será provada, ou melhor, devemos comprová-la a todo custo. (anônimo)

O medo cala a boca dos inocentes e faz prevalecer a verdade dos culpados. (Karl Marx)

A desilusão é a visita da verdade. (Chico Xavier)

Uma mentira, se repetida várias vezes, acaba se tornando uma verdade. (anônimo)

Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um ato revolucionário. (George Orwell)

A verdade dói, a mentira mata, mas a dúvida tortura. (anônimo)

Uma verdade enfraquece quando tenta esconder uma única mentira, e uma mentira fica mais poderosa quanto mais verdades tenta esconder. (anônimo)

A verdade é que todo mundo vai te machucar, você só tem que escolher por quem vale a pena sofrer. (anônimo)

A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço. (Martinho Lutero)

As pessoas não querem ouvir a verdade pois não querem que suas ilusões sejam destruídas. (anônimo)

Não erra o homem que procura a verdade e não a encontra; engana-se aquele que, por medo de errar, deixa de procurá-la. (anônimo)

Não há mentira que dure para sempre, assim como não existe verdade que não apareça. (anônimo)

Uma garrafa de vinho meio vazia também está meio cheia, mas uma meia mentira não será nunca uma meia verdade. (anônimo)

Os olhos que só enxergam a mentira quando percebem a verdade, cegam. (Karl Marx)

O problema é que costumamos acreditar na mentira e duvidar da verdade. (anônimo)

Quanto mais se tenta esconder a verdade, mais ela se torna visível aos olhos alheios. (anônimo)

A verdade tem três estágios: primeiro ela é ridicularizada, depois contestada, e, finalmente, aceita. (Arthur Schopenhauer)

A verdade dispensa enfeites. A verdade é verdade por si só. (anônimo)

As únicas pessoas que se enfurecem ao ouvir a verdade, são aquelas que vivem na mentira. (anônimo)

Tentar esconder a verdade é a situação mais vergonhosa que alguém pode colocar a si mesmo. (anônimo)

A justiça é a verdade em ação. (anônimo)

Existe apenas duas certezas nessa vida: a primeira é que todos iremos morrer; a segunda é que a verdade, uma hora ou outra, irá aparecer. (anônimo)

É isto aí!

sábado, 4 de julho de 2020

A inevitável tristeza (Paulo Abreu)



Gosto das palavras
que não alimentam a dor. 
mas carregam paz, livres
nas lavras da vida.

Descrever você,
traduzir suas lágrimas
em sua face pálida
é ação desmedida

Você está no âmago
deste amor, quer
nas palavras cálidas
quer nas mágoas.

Adeus é uma partida
que quando acontece
a inevitável tristeza
não cicatriza 

É isto aí!


quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Jogo da Amarelinha, capítulo 7 (Julio Cortázar)


(Brigitte Bardot e Alain Delon 1961)

Toco a sua boca com um dedo, 
toco o contorno da sua boca, 
vou desenhando essa boca 
como se estivesse saindo da minha mão, 
como se, pela primeira vez, 
a sua boca entreabrisse, 
e basta-me fechar os olhos 
para desfazer tudo e recomeçar. 

Faço nascer, de cada vez, 
a boca que desejo,
a boca que minha mão escolheu 
e desenha no seu rosto, 
uma boca eleita entre todas, 
com soberana liberdade, 
eleita por mim para desenhá-la 
com minha mão 
em seu rosto, e que, por um acaso, 
que não procuro compreender, 
coincide exatamente com a sua boca, 
que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você. 

Você me olha, de perto me olha, 
cada vez mais de perto, 
e então brincamos de ciclope, 
olhamo-nos cada vez mais de perto 
e nossos olhos se tornam maiores, 
se aproximam uns dos outros, 
sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, 
respirando confundidos, 
as bocas encontram-se e lutam debilmente, 
mordendo-se com os lábios, 
apoiando ligeiramente a língua nos dentes, 
brincando nas suas cavernas, 
onde um ar pesado vai e vem, 
com um perfume antigo e um grande silêncio. 

Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, 
acariciar lentamente a profundidade 
do seu cabelo, 
enquanto nos beijamos 
como se estivéssemos com a boca cheia 
de flores ou de peixes, 
de movimentos vivos, de fragrância obscura. 

E se nos mordemos, 
a dor é doce; 
e se nos afogamos num breve 
e terrível absorver simultâneo de fôlego, 
essa instantânea morte é bela. 

E já existe uma só saliva 
e um só sabor de fruta madura, 
e eu sinto você tremular contra mim, 
como uma lua na água.


O jogo da Amarelimha é um dos clássicos da Literatura Mundial, leitura imperdível e atemporal.





quarta-feira, 1 de julho de 2020

Estágios da evolução no ano 2798 DC


Ano terrestre 2798 DC

No guichê:

- Nome?

- Sim, tenho nome.

- E posso saber seu nome?

- Porquê?

- Para preencher este cadastro.

- Cadastro? Como assim cadastro?

- O cadastro para o qual o senhor entrou na fila para preencher aqui, no guichê 32.

- Aqui é o guichê 32? 

- Sim, é aqui mesmo.

- Mas a mocinha do colete amarelo disse que esta era a fila do guichê 45.

- Impossível, senhor. Nome completo, identidade, cpf, comprovante de endereço e estado civil, agora.

- Porquê?

- Já te mostro. Fica parado aí. Seguranças, guichê 32 urgente.

Com os Seguranças:

- Queira ter a gentileza de nos acompanhar.

- Perfeitamente

- Por obséquio, queira ter a gentileza de aguardar nesta sala até ser chamado.

Com os agentes de segurança pública:

- Boa tarde, senhor. Somos agentes da segurança pública, meu nome é Cabo João Tal e meu companheiro é soldado José Til. Solicitamos ao senhor a gentileza de nos acompanhar até a delegacia.

- Perfeitamente.

Com o delegado de plantão:

- Obrigado por estar aqui conosco, senhor, perdoe todos os transtornos causados. De acordo com o relato dos agentes envolvidos, o senhor confirma que cometeu um delito liliputiano em área pública restrita ao bom funcionamento do serviço público?

- Perfeitamente.

- O senhor está liberado sem transgressões que justifiquem a penalização, mas antes preciso de suas informações pessoais para preencher a burocracia plutocrática do Grande Sagrado, com seus dados.

Com o escrivão:

- Nome?

- Sim, tenho nome.

- E posso saber seu nome?

- Porquê?

- Para preencher esta ocorrência.

- Ocorrência? Como assim ocorrência?

- A ocorrência para a qual o senhor foi citado referente ao episódio no guichê 32.

- Mas aqui não é o guichê 45. 

- Nome completo, identidade, cpf, comprovante de endereço e estado civil, agora.

- Porquê?

- Por gentileza, o senhor tem consigo algum documento?

- Perfeitamente.

- E o senhor pode ter a delicadeza de entregar-me seu documento?

- Ah! Finalmente alguém me pediu uma identificação humana.

- Identificação humana? Como assim?

- É que sou do quarto planeta, Draf-Liu, do Sistema Solar de Panter-12, na área central da Via Láctea, e lá não temos este costume.

- Agora entendi. O senhor é daqueles consumidores de Absinto Azul, na área proibida Por favor, me acompanhe até a saída. Está tudo bem, não entre em pânico.

Ao comandante da espaçonave

- Coronel, podemos ir sem necessidade de retornar tão cedo. Eles precisam evoluir muito ainda. Não conseguem enxergar a alma uns dos outros. Estão mais educados, mas ainda precisam de dados materiais para identificarem as pessoas, imagina só ...

É isto aí!


O homem estranho



Sujeito apareceu de tardinha na venda do Manoel Onório. Era alto, quase dois metros, meio esquisito, meio estranho, meio diferente, tinha umas roupas que não eram roupa de gente normal, pareciam panos enrolados e falava com sotaque de gaúcho imitando português da fronteira espanhola do norte. Enfim o sujeito era muito esquisito. 

Tinha um chapéu de aba larga e uma capa amarela imensa, impermeável, que cobria até os pés, protegidos por uma bota emborrachada de cano longo. A tiracolo uma bolsa de couro impermeabilizada. Supostamente estava desarmado, mas isto nunca soubemos. 

Corri os olhos na rua e não vi animal algum, nada, nem charrete nem bicicleta. A chuva ameaçava cair em dilúvio, o vento soprava frio e fraco, a venda estava com lotação máxima como de costume. As pessoas foram espaçando para o homem passar até chegar ao balcão. Uma vez lá, bateu a mão na madeira e pediu uma cachaça boa, nada de batizada.

Manoel Onório, safado de uma figa, tremeu e pegou uma garrafa escondida atrás do armário da despensa. Ali já marquei o lugar. O homem bebeu três doses seguidas, virou para o Manoel e disse - eu vim buscar a Carmelinda. Todo mundo olhou para o Manoel que não olhava para ninguém. Não conheço, respondeu.

O homem levantou os dois braços e profetizou - que a força dos ventos digam ao que veio. Ah, moço, nem te digo. O vento geladinho entrava e saia pelas ruas, becos e por todos as frestas das janelas. Vai buscar ou vou ter que congelar e  destruir tudo? 

Não conheço, já disse, falou Manoel Onório já pertinho do infarto.

O homem levantou novamente os braços e profetizou - que a força das águas se solidifiquem e caiam apenas nas ruas da cidade, por enquanto. Ah, moço, era pedra d´água gelada que cobria a palma da mão, até apanhar uma altura de meio metro nas ruas.

Deixa a garrafa aqui e vai buscar a Carmelinda, seu bosta!

Manoel Onório olhou para as pedras d'água caindo e clamou - pelamordedeus, faz parar isto que vou.

O homem, nem se manifestou muito. Levantou a mão esquerda e tudo aquietou, até o vento sossegou.

Manoel Onório saiu ligeiro, deu a volta no estabelecimento, cuidando para não escorregar nas pedras d'água, abriu o portãozinho lateral, foi se segurando nas paredes até o barracão nos fundos onde chamou a moça. 

Carmelinda era uma mocinha linda de tudo, que Manoel acolheu no inverno, quando passou pedindo pousada e acabou ficando ficando até a paixão prender um no outro. A moça entrou na venda, e foi se aproximando do homem, era uma coisa de David contra Golias. Ele foi virando lentamente e quando a viu - Carmô ...

A moça já foi arrastando um banquinho, subiu e, ah, moço, deu-lhe um safanão estalado, destes de mão aberta. O homem nem piscou e ela deu outro e outro. Fora daqui, moleque. Safado, Sem vergonha. Vagabundo.

O homem levantou a mão e profetizou que os rios do céu desceriam naquela cidade para lavar os pecados daquela população pecadora se ela não fosse com ele. Ah, moço! Caiu num aguaceiro que só Deus sabe como pode chover tanto daquele jeito. Na hora que chegou na porta, Carmelinda gritou - espera amor, eu decidi voltar com você, e sumiram nas águas.

Ah, moço, e foi assim que agora está todo mundo deste jeitinho que você está vendo. Um a um foi entrando nas canoas, nas tábuas, nos telhados por que os dois sumiram e o bosta do homem não levantou a mão esquerda para fazer parar a água.

É isto aí!