quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Conversas estranhas

Saiu de casa arrasado, entrou no carro e deu conta que isto o faria retornar, afinal o carro estava no financiamento, com três parcelas atrasadas. Pegou o guarda-chuva, herança familiar, e acenou para o ônibus urbano. Entrou e a única nota que tinha era uma de cem reais. O trocador deu sinal, o motorista parou e teria que descer se não fosse a providencial ajuda de uma mocinha linda, que cedeu-lhe uma passagem.

Passaram a roleta e sentaram juntos, a princípio em silêncio. Ela deveria ter uns trinta anos, aproximadamente, rosto e corpo lindos, olhos redondos e a íris quase negra. A analisou por inteiro - tronco, cabelos, mãos e pernas.

- Pronto? perguntou a moça?

- Pronto para o quê? Respondeu de sobressalto.

- Já acabou de examinar meu exterior?

- Não, quer dizer, só o que pude verificar.

- Entendo. Mas teve o desejo de ver tudo?

- Conversa estranha, esta, hem?!

- Estranha? Você fez uma varredura no meu corpo com seu olhar e acha que a conversa é estranha?

- Verdade. Desculpe, foi força de hábito. Não desejei ofende-la.

- Mas não ofendeu. Viu o que pode ser visto.

- Mas e o que não pode ser visto?

- Nada é tão secreto que não possa ser revelado.

- Nós, hummm, nós, quer dizer, você já me conhece?

- Sim, eu conheço você. Sei o seu nome, sei onde mora, onde trabalha.

- Sério? Mas como é isso? Como assim?

- Vamos descer aqui, que eu vou mostrar a você como sei de tudo isto. Não tenha medo, não vou te fazer mal, nem tirar dinheiro de você, que sei que não tem.

- Você está me assustando.

- Venha, vamos descer, me dê a sua mão e verá que tudo pode acontecer.

Saíram de mãos dadas, atravessaram a Rua da Quitanda, dobraram na esquina para a Rua Azul, seguiram em silêncio dois quarteirões até a Praça das Mangueiras. Atravessaram a Praça, entraram na Avenida do Pequi e pararam diante de uma casa simples, do conjunto habitacional do bairro. Foi quando se entreolharam, a mão dele suando muito, e ela disse:

- Venha, é aqui. 

Foram entrando na casa, em silêncio. Casa simples, móveis simples. Tudo limpo e um aromático café vindo da cozinha, para onde se dirigiram. Ela pediu licença, disse que tinha que ir ao banheiro. Ele ficou ali, ficou, ficou, até que desconfiou da demora. Bateu na porta do banheiro que estava aberta e moça desapareceu. Foi surgindo um sono pesado, deitou no sofá e acordou na sua casa com o oficial de justiça na porta. 

Recebeu mais uma intimação e saiu de casa arrasado, entrou no carro e deu conta que isto o faria retornar, afinal o carro estava no financiamento, com três parcelas atrasadas. Pegou o guarda-chuva, herança familiar, e acenou para o ônibus urbano, que não parou. Logo atrás parou um carro, no volante uma moça linda de uns trinta anos aproximadamente, rosto e corpo lindos, olhos redondos e a íris quase negra. A analisou por inteiro - tronco, cabelos, mãos e pernas.

- Vai ficar me namorando por muito tempo ou vai entrar? - perguntou a moça.

- Nós, hummm, nós, quer dizer, você já me conhece?

- Quem sabe?? 

É isto aí!

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