quarta-feira, 3 de março de 2021

Sabe com quem está falando?


 

Um fila imensa no terminal rodoviário, a chuva não parava, as pessoas o mais próximas possíveis umas das outras. E a água subindo, já batendo quase no nível do piso da estação. No guichê uma pequena discussão que acabou virando uma violenta verborragia do usuário para com a atendente.

O cidadão malhado por artifícios legais ou ilegais esmurrava o balcão.

A moça, desesperada, no atendimento, pedia calma.

O cidadão irado voltava os olhos para a plateia, como exigindo palmas, em troca recebia o silêncio.

A moça chamou o segurança, seu Zezinho, o faz tudo. Esquelético e esquálido, andar lento e claudicante, lado esquerdo do corpo semi-paralisado, chega seu Zezinho arrastando as sandálias gastas e pitando seu cigarro de palha. 

Ao chegar no balcão para se inteirar do que está acontecendo, recebe um tapa nas costas. Olha aqui, velhinho, vai furar a fila da puta que o pariu. Estou sendo atendido pela sua irmã aqui, esta putinha de aquário.  

Seu Zezinho levantou a cabeça para ver o rosto do neandertal. Olhou, olhou, colocou a mão no queixo e perguntou - por acaso o senhor é filho da Dona Maria do Bolo, que mora ou morava na Pinguela do Córrego?

Sim, mas, espera - não estou gostando desta conversa. Se falar mais um "A" vou te encher de porrada, velhote, disse segurando a surrada camisa do seu Zezinho, pela gola. 

Seu Zezinho afastou-se, deu meia volta, parou num grupo de curiosos que saíram da fila para abraçá-lo, falou alguma coisa apontando para o nervosimho e deram gargalhadas.

O troglodita sentiu o veneno se espalhando pelo corpo, e às pressas saiu da fila em direção ao seu alvo. A mocinha do guichê, temendo uma tragédia, pegou o microfone e com uma calma descomunal falou:

Senhor, o senhor mesmo que perguntou se eu sabia com quem está falando. Eu sei quem é o senhor - é filho do seu Zezinho, e sei que agora está indo dar um abraço nele para validar o seu renascimento como um homem que merece ter um pai que nunca conheceu.

A fila olha para a mocinha do guichê, olha para o idiota bombado e olha para o seu Zezinho e num interminável silêncio, repetem o ato sincronizado mais umas duas vezes. Ninguém quer perder nada. 

O homem para, olha com ódio mortal para a mocinha do guichê, olha com desesperança para o Seu Zezinho, ergue os dois braço e dá um grito estrondoso, assustador, aterrorizante. Começa a chorar e sai apressado em direção a um rumo até hoje desconhecido.

É isto aí!


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