sábado, 23 de julho de 2022

BBC - Como 'nude' ajudou a desvendar 'maior roubo' da história do Reino Unido


Ladrões invadiram em 2019 uma mansão em uma das ruas mais caras do mundo e fugiram com mais de R$ 165 milhões em dinheiro, diamantes e relógios. A investigação policial revelou que se tratava de uma gangue que havia assaltado as casas de vários milionários de Londres em poucos dias.

Em uma tarde de janeiro de 2020, o detetive policial Thomas Grimshaw entrou em um hotel barato em uma rua no sudeste de Londres com um palpite de que a visita ao local poderia ajudá-lo a resolver um caso importante.

Grimshaw perguntou à recepcionista sobre os hóspedes que haviam ficado no local em meados de dezembro. Ela contou a ele sobre um grupo do qual se lembrava vividamente — um dos homens havia enviado mensagens inapropriadas para sua colega, incluindo uma foto de seu pênis. Elas registraram seu número na lista de contatos como "tarado".

Era o que o detetive estava procurando. Encontrar esse número de telefone ajudou a polícia a identificar o primeiro suspeito do maior roubo doméstico da história legal do Reino Unido.

Faltavam menos de duas semanas para o Natal de 2019 quando Tamara Ecclestone, seu marido Jay Rutland e a filha Sophia viajaram para a Lapônia. A filha do ex-chefe da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, postou uma foto no Instagram antes da decolagem.

Naquela noite, uma gangue de ladrões havia invadido sua casa no Kensington Palace Gardens — rua no oeste de Londres que é considerada uma das mais caras do mundo — e fugido com mais de 25 milhões de libras (R$ 165 milhões, em valores atuais) em dinheiro e joias, incluindo diamantes e relógios.

Um dos seguranças da mansão abordou três intrusos desmascarados logo após as 23h. Eles estavam no closet de Ecclestone, apelidado pela família de cofre, porque é protegido por uma porta de aço reforçado, que não estava trancada.

Os ladrões passaram correndo por ele, derrubando os enfeites de Natal da casa enquanto fugiam. Um deles atirou um extintor de incêndio quando tentava escapar por uma pequena janela.

A investigação foi apelidada como Operação Oakland pelo Esquadrão Voador, formado por detetives de elite da Polícia Metropolitana de Londres. No início, eles não tinham muito com o que trabalhar.

Dois telefones descartáveis ​​e uma chave de fenda foram encontrados em um dos quartos da mansão.

Havia também imagens capturadas pelas câmeras de segurança dos ladrões passeando pelo jardim dos fundos da casa de Ecclestone antes do ataque e, posteriormente, fugindo do local.

Eles foram filmados passando pela casa de bonecas da família — considerada uma das maiores do mundo e que, segundo a revista Hello!, custou cerca de 10 mil libras (R$ 66 mil). As câmeras flagraram ainda as três figuras entrando em um táxi em uma rua próxima.

Os detetives começaram a rastrear todos os táxis que operavam em um raio de cerca de 2 km da casa naquela noite — eles identificaram 1.006. Eles então passaram a ligar para os taxistas e perguntar se eles se lembravam de pegar três homens que pareciam ser do Leste Europeu.

As câmeras de segurança ainda flagraram três homens carregando malas — que mais tarde foram identificadas como sendo de Ecclestone e Rutland — e depois entrando em outro táxi.

O carro desapareceu então na escuridão. Os detetives rastrearam o motorista, chamado Jimmy, que não conseguia se lembrar onde havia deixado seus passageiros naquela noite — sabia apenas que fora próximo da fronteira entre Londres e o Condado de Kent.

Mas ele se lembrou de uma ponte com arcos. Isso permitiu reduzir a busca ao subúrbio de St. Mary Cray e iniciar uma varredura das câmeras da área.

Uma das imagens encontradas mostrava figuras caminhando em uma pequena viela.

Em frente a uma delegacia em uma rua próxima, havia um hotel barato chamado TLK Apartments. O detetive Thomas Grimshaw decidiu seguir sua intuição e visitar o local. Lá foi informado sobre o "nude".

"Quando soube disso, senti que tínhamos identificado o grupo certo", disse Grimshaw.

A equipe da recepção havia feito uma cópia do documento de identidade do hóspede quando ele fez o check-in. Seu nome era Jugoslav Jovanovic, um italiano de 23 anos.

Os detetives tinham seu suspeito inicial. Eles descobriram que Jovanovic entrou no Reino Unido em 30 de novembro, a bordo de um voo da Ryanair que saiu de Estocolmo, na Suécia. Ele se registrou no hotel naquele mesmo dia.

Investigações posteriores mostraram que ele partiu de Londres em um voo em 18 de dezembro.

Mais suspeitos seriam identificados em breve, mas antes disso a polícia descobriu evidências de que o roubo à mansão de Ecclestone não foi o único assalto contra celebridades realizado pelos ladrões.

Uma verificação nos sistemas da polícia revelou que foi registrado ainda outro roubo no oeste de Londres em 1º de dezembro. Mais de 60 mil libras (R$ 396 mil) em relógios de luxo, abotoaduras e pulseiras pertencentes ao técnico de futebol Frank Lampard e sua esposa, Christine, foram roubados enquanto o casal estava em um evento anual de Natal no Hyde Park.

As imagens capturadas pelas câmeras da casa mostravam um homem de aparência semelhante à vista nos documentos de Jovanovic.

A polícia sabia que o roubo havia acontecido no dia seguinte à chegada de Jovanovic ao Reino Unido. Eles ampliaram sua busca — quantos roubos de luxo ocorreram em Londres entre 1 e 18 de dezembro? Eles rapidamente identificaram outro em Knightsbridge em 10 de dezembro.

Mais de 1 milhão de libras (R$ 6,6 milhões) em itens foram roubados da casa do falecido proprietário do time Leicester City FC, Vichai Srivaddhanaprabha. Ele morreu em um acidente de helicóptero em 2018.

Sua casa permaneceu intocada desde a morte e se tornou um lugar de oração e luto para quando sua família visitava Londres. Sete valiosos relógios Patek Philippe foram roubados junto com 400 mil euros (R$2,25 milhões) em dinheiro. Os detetives analisaram as imagens das câmeras e viram um rosto familiar, o de Jovanovic.

O caso foi dividido pelos policiais em duas partes. Eles decidiram identificar quatro homens que acreditavam ser os ladrões que realizaram os ataques nas casas de Ecclestone, Lampard e Srivaddhanaprabha.

Eles também identificariam outros quatro que teriam sido o "elenco de apoio" dos assaltantes. Segundo a polícia, seu trabalho envolveu reservar Ubers, hotéis, voos e conduzir veículos. Os acusados negaram saber o que os assaltantes estavam fazendo.

Quando Jovanovic entrou no Reino Unido em 30 de novembro, ele chegou com Daniel Vukovic, um croata de 39 anos. Ambos — identificados pela polícia como dois dos ladrões — se registraram no hotel em St. Mary Cray.

Em 18 de dezembro, os dois homens deixaram o país — Jovanovic para Milão, Vukovic para Belgrado. Ele estava com uma mulher chamada Maria Mester.

Mester tem um filho, Emil Bogdan Savastru, que voou de Tóquio para Londres em 12 de dezembro e partiu no início de janeiro para Milão.

Mester e Savastru foram acusados ​​de fazer parte do "elenco de apoio" junto com outros dois homens — os romenos Alexandru Stan e Sorin Marcovici.

Stan morava na cidade de Harrow, para onde Jovanovic e Vukovic foram depois de invadir a casa de Lampard.

A dupla fugiu do local quando ouviu as sirenes da polícia. Eles pularam uma cerca nos fundos, cortando-se em alguns cacos de vidro no processo.

Stan — que no tribunal mais tarde insistiu que não sabia o que eles estavam fazendo — deu aos homens uma muda de roupa e reservou um táxi para eles voltarem a Orpington.

Marcovici — que disse posteriormente em seu julgamento que não tinha ideia do que os ladrões estavam fazendo — aparentemente foi para o sudeste de Londres para servir como motorista enquanto os ladrões faziam um reconhecimento da área.

Ficou claro, também, que os ladrões usaram transporte público e táxis para se locomover por Londres, misturando-se com moradores e turistas.

Dados do GPS de seus celulares mostraram que, ao longo de 14 dias, eles estiveram nas regiões de Golders Green, London Bridge, New Bond Street, Chelsea, Fulham e Orpington.

Os detetives fizeram outra grande descoberta quando conseguiram identificar alguns dos homens por meio do uso de um trem ao sudeste de St. Mary Cray horas antes do roubo.

Imagens de câmeras de segurança mostraram Jovanovic embarcando para o norte com alguns homens. A estação London Victoria — no fim da linha — tornou-se um local de interesse, e os policiais começaram a analisar as imagens do circuito interno.

Jovanovic e um homem foram vistos saindo de um trem. Mais tarde, os detetives descobririam que esse homem era Vukovic. Pouco tempo depois, os dois foram vistos segurando cafés ao deixar a estação com mais dois homens não identificados.

"Quem eram esses homens?", a polícia se perguntou. Para saber mais sobre eles, começaram a rastrear o local onde haviam comprado os cafés.

Câmeras capturaram imagens deles em uma cafeteria na estação. O detetive Grimshaw viu um dos homens misteriosos roubando um chiclete do balcão.

Este encontro deu à polícia imagens claras dos homens para circular via Europol, a agência policial da União Europeia.

As imagens das câmeras da estação deram outra pista. Jovanovic foi visto apertando a mão de um quinto homem e atravessando o saguão com ele. A polícia seguiu os movimentos desse homem e percebeu que ele havia usado seu cartão bancário para comprar seu bilhete.

Posteriormente, descobriu-se que esse homem era o filho de Maria Mester, Emil Bogdan Savastru. Com a ajuda da Europol, foi possível identificar os dois últimos suspeitos: os italianos Alessandro Donati e Alessandro Maltese. Os dados mostraram que eles voaram juntos para Londres em 9 de dezembro e partiram em 16 de dezembro a bordo de voos da EasyJet.

A primeira pessoa a ser presa foi Savastru. A polícia observou seus movimentos e sabia que ele havia reservado uma passagem só de ida para Tóquio em 30 de janeiro de 2020.

No dia em que ele fez check-in no aeroporto de Heathrow, na capital britânica, policiais à paisana o seguiram para fora do terminal, onde ele se sentou para fumar um cigarro.

Detetives esperaram que ele desbloqueasse seu celular — isso permitiria que eles conferissem seu histórico de buscas, contatos e dados bancários — e o prenderam.

Ele estava carregando uma bolsa Louis Vuitton que pertencia a Jay Rutland e um relógio Tag Heuer roubado de Vichai Srivaddhanaprabha.

Posteriormente, ele disse no julgamento que tinha ficado com a impressão de que os itens haviam sido deixados para ele como presente. Ele não tinha ideia de que eles foram roubados.

Assim que soube da prisão de seu filho, Mester pegou um avião de Milão para o Reino Unido. Ela foi imediatamente presa no aeroporto de Stansted, enquanto usava um conjunto de brincos parecidos com os de Tamara Ecclestone.

Não era possível ter certeza de que eram exatamente os mesmos brincos, mas o designer que os fez disse que apenas três pares foram confeccionados — e um foi vendido para Tamara.

Fotos de Mester no Facebook mostraram que ela usava um colar semelhante ao feito sob medida para Jay Rutland para sua esposa em Los Angeles.

Ela disse em julgamento que as joias foram um presente e negou saber que haviam sido roubadas.

Savastru e Mester foram acusados, ​​e, enquanto estavam sob custódia, a polícia continuou a fazer novas descobertas sobre as atividades dos ladrões em Londres.

Em novembro de 2020, Marcovici, Stan, Savastru e Mester foram a julgamento no Tribunal da Coroa de Isleworth acusados ​​de conspiração para roubar.

A defesa de Mester alegou que ela era acompanhante de luxo internacional e conheceu Vukovic como cliente em um bar em Milão alguns anos antes. Em dezembro de 2019, ela diz, ele pediu que ela o acompanhasse a Londres e pagou milhares de euros por isso.

Mester disse que não tinha ideia de que Vukovic nem os homens com quem ele estava estavam realizando roubos.

As joias encontradas com ela pela polícia quando ela foi presa, segundo sua versão, foram presentes de Vukovic por seus serviços e por seu aniversário. Ela negou que soubesse que as joias eram roubadas.

"Para mim, Vukovic era como uma galinha dos ovos de ouro como todos os outros clientes generosos", disse ela à BBC. "Não vi nada de errado com aquele idiota!"

Ela também disse que Vukovic lhe deu dinheiro para gastar enquanto ela estava em Londres.

Após ser absolvida, ela disse: "Sou 100% inocente". Ela afirmou que a polícia não foi capaz de provar seu envolvimento e de seu filho nos roubos. "Eles apresentaram ao tribunal apenas o que queriam."

Savastru disse aos jurados durante o julgamento que havia sido apresentado a dois dos suspeitos em dezembro de 2019, mas não sabia de seus supostos negócios criminais. Ele se recusou a ser entrevistado pela BBC.

Stan disse ao tribunal que um amigo o pediu para auxiliar alguns italianos que eram novos em Londres e precisavam de ajuda com um carro para se locomover. Ele os encontrou para um café e trocou números de telefones.

Posteriormente, em 1º de dezembro, recebeu um telefonema pedindo seu endereço. Na noite em que os Lampards foram assaltados, Jovanovic e Vukovic foram à sua casa — embora ele insistisse que não sabia o que eles estavam fazendo.

Um deles estava com um corte e disse a Stan que não queria que suas esposas soubessem que eles haviam brigado, então, ele lhes deu uma muda de roupas e reservou um Uber de volta para St. Mary Cray.

"Tudo, todas as evidências contra mim mostram que eu não poderia estar envolvido", disse Stan à BBC.

Marcovici, um amigo de infância de Maria Mester, insistiu que ele era um inocente envolvido em um esquema do qual não tinha conhecimento.

Ele disse ter aceitado o pedido de Mester para levar os amigos de Vukovic para o oeste de Londres, mas afirma ter sido informado de que os homens estavam indo para um canteiro de obras para pegar algumas ferramentas.

Nenhum dos quatro estava presente dentro das casas que foram assaltadas, mas a Promotoria argumenta que eles teriam ajudado de alguma forma. No entanto, em janeiro de 2021, os quatro foram considerados inocentes de conspiração para roubar.

Mas esse não foi o fim da história. Stan — que morava em Harrow — entrou em contato com a BBC para compartilhar sua história. Ele afirmou que estava sem ter onde morar. "Perdi tudo, minha casa, meu emprego", disse ele. "Minha vida inteira virou de cabeça para baixo."

Mester e seu filho ainda foram julgados por outros crimes. Mester foi condenada por não entregar seu telefone à polícia, enquanto Savastru foi condenado por uma acusação não relacionada de posse de cédulas de dinheiro falsas.

Eventualmente, os detetives ainda conseguiram levar para o Reino Unido três dos ladrões que haviam fugido para o exterior. Donati e Maltese foram presos em Milão e extraditados em 2020. Jovanovic foi preso na costa italiana de Santa Marinella, nos arredores de Roma, no mesmo ano. Ele lutou muito contra sua extradição, mas acabou sendo deportado para o Reino Unido em abril de 2021.

Todos os três se declararam culpados de conspiração para roubar e foram presos em novembro de 2021. A polícia italiana disse à BBC que a gangue morava no norte de Milão em um acampamento cigano.

Mas um dos suspeitos ainda está foragido. A polícia acredita que ele tenha sido o mentor dos roubos.

Durante as audiências do julgamento, ele foi identificado como Daniel Vukovic, um cidadão croata de 39 anos que teria pegado um voo com Jovanovic de Estocolmo para Stansted e posteriormente deixado o Reino Unido com Mester com destino a Belgrado.

Em novembro de 2021, uma investigação da BBC mostrou que ele era conhecido pela polícia italiana e usava mais de 17 identidades diferentes.

Documentos judiciais aos quais a BBC teve acesso sugerem que seu nome verdadeiro é Alfredo Lindley — um peruano nascido em Miraflores, um subúrbio de Lima, em 1981. Ele tem antecedentes criminais que remontam a 1995, e, em 2017, seus vários pseudônimos tinham ligações com Sarajevo, Belgrado, Zagreb e Milão.

A polícia também o vinculou aos supostos roubos dos jogadores Patrick Vieira e Sulley Muntari em 2009, de acordo com os documentos judiciais.

Um homem cercado de mistérios que a imprensa italiana — que apelidaram de "o Lupin da vida real" — sugere que pode estar morando na Sérvia.

A BBC encontrou uma 19ª identidade. De acordo com documentos emitidos pelo governo sérvio, seu último pseudônimo é Ljubomir Romanov, dono de uma empresa no centro de Belgrado e uma propriedade na cidade vizinha de Obrenovac.

Foram feitas tentativas de extraditá-lo, mas todas foram recusadas pelas autoridades sérvias. A investigação do Reino Unido sobre os roubos continua, e o suspeito restante permanece, na verdade, um homem livre.

Quanto às joias roubadas, os detetives insistem que os relógios, colares, brincos e anéis não foram derretidos. Eles creem que um dia os diamantes reaparecerão. Como disse o detetive Andrew Payne, que trabalhou na Operação Oakland: "É um tesouro enterrado".


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