quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Apocalipse de Martha e Georgette

SEGALL - "Duas amigas" - óleo 1914

Dona Martha Helena era uma mulher comum, solteira, de beleza comum, modos comuns e corpo comum. Estava para completar 43 anos e trabalhava desde os 18 na mesma empresa, no mesmo escritório, na mesma cadeira utilizando a mesma mesa. Roupas sóbrias, combinando com a bolsa, sapato e cinto. Enfim, uma solteira clássica.

Sua melhor amiga era Georgette Cândida, 44 anos, colega de trabalho e amparo desde quando entrou, um ano após Martha, de todas as horas difíceis e alegres. Dividiam o serviço, as tarefas e as obrigações diárias quase que mecanicamente. Vestiam-se iguais, andavam iguais e almoçavam juntas sempre no mesmo restaurante.

Em toda a sua casta vida, Martha e Georgette acreditavam em que um dado momento surgiria pela porta o amor cortês em seus destinos, em que dois homens arianos, loiros, fortes e altos, pela primeira vez na história, as respeitariam como mulheres puras, castas e decentes, sendo esta a inspiração para o amor. Eram a própria sublimação ao sexo pelo respeito e amor incondicional.

Em casa, aprenderam que o corpo é o pecado. A sexualidade tinha de ser contida e controlada. Tudo sobre sexo era proibido em sua redoma. Tinham a convicção que o sexo é o próprio demônio e deveria ser punido só pela insinuação. Todos aqueles que geravam tentação deveriam ser queimados vivos, pensavam e afirmavam categoricamente. Essa tortura perturbadora em um mundo onde a mídia vulgarizou o prazer e a sensualidade, elas percebiam na Igreja, nas ruas, no ônibus e principalmente no salão de beleza da Maurinha.

Certo dia Maurinha disse à Martha Helena que o mundo ia acabar logo. Um tal de Nibiru vinha para matar todo mundo. Assim que chegou em casa, ligou o computador, leu tudo, se informou de tudo e se desesperou. Martha não dormiu naquela noite. Como assim, acabar e eu virgem, sem meu príncipe nórdico??? Não, isto não pode acontecer!!! Não...não..não pode...não pode...

Chegou no escritório arrasada. Os olhos em lágrimas, a boca trêmula. Meu Deus, que loucura é esta? Como assim, acabar? Martha não via mais nada na sua frente. Só pensava no fim de tudo, no Nibiru chegando, dos seus sonhos morrendo junto com ela. Foi se agitando, se coçando, e em surto subiu à mesa sapateando. Georgette Cândida ficou em estado de choque, mão na boca, pálida, sem entender nada.

Martha começou a gritar, em uma voz estridente, como se estivesse tomada por uma outra pessoa:

- Olha aqui Georgette, olha só, como vou morrer assim, ainda virgem - e arrancou o blazer de linho.

E urrava, e berrava!!!
- Olha para mim Georgette, olha bem como sou gostosa - e arrancou a camisa de algodão puro, impecável.

E surtava mais e mais aos gritos!!!
- Jogou o sutiã pela janela - Olha só, que seios lindos, e apertava até o limite do corpo.

e delirava já sem noção espacial!!!
- Tirou a elegante Channel - olha minhas coxas, Georgette, grossas, gostosas, e nenhum homem nunca colocou a mão aqui...

- Eu não vou morrer...eu não vou morrer...gritava alucinadamente!

Georgette Cândida, ainda abaladíssima, saiu do estado de choque e ligou para a recepção mandar subir o Babinha, o zelador do condomínio, andar gingado, funkeiro, esquelético, com idade entre 19 e 20 anos, se muito, para ajudá-la  a fazer alguma coisa. Babinha, ao entrar, vê Dona Martha rasgando a calcinha e em desespero, se agredindo vilipendiosamente.

Babinha aproximou-se, e com seu braço esquerdo puxou-a pelo braço direito. Dona Martha tentou dar-lhe um chute, que resvalou no seu fino rosto cadavérico. Babinha então desferiu-lhe um sopapo cinematográfico na face, onde Dona Martha despencou segura pelo braço, rodando em direção ao seu ombro.

Uma vez no ombro, onde deu para morder e unhar o fez com tal fúria que Babinha urrou. Babinha rodou de dor e caiu por baixo. Os dois se debateram, se morderam, e Martha foi rasgando a suja e poida roupa de Babinha. Agarraram-se, lascaram-se, digladiaram-se, gritaram, espernearam, gemeram, sussurraram e por fim aninharam-se um no outro de uma forma animalesca, brusca, torpe e sensual.

Martha virou para o lado, toda marcada de unhas, dentes e marcas outras, com um leve sorriso de felicidade. Babinha foi se levantando lentamente, procurando suas roupas. Nisto, Georgette Cândida subiu rapidamente sobre a mesa, e aos berros gritou:

- OLHA AQUI martha, OLHA SÓ, COMO VOU MORRER ASSIM, AINDA VIRGEM - E ARRANCOU O BLAZER DE LINHO...

É isto aí!
  

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