terça-feira, 24 de junho de 2014

O herdeiro real

O homem mais rico da região, dono de dezenas de empresas, líder político, benemérito de todas as obras sociais, religioso fervoroso, era casado com uma lindíssima ex-miss de fama internacional, e tinham apenas um filho, que aos trinta anos ainda não se casara, o que já os preocupava pela falta de herdeiros.

Carlos Eduardo nunca falou em casar, nem ao menos namorou em sua vida reta e sem-graça. Jamais sorria, vivia para a literatura, os jornais e os negócios. Era extremamente zeloso com suas obrigações. Considerado um dos maiores administradores do pais, culto, reservado, e metódico - extremamente metódico. 

Chegava à sua mansão pontualmente à 17 horas e 36 minutos, sendo recebido pelo mordomo que apanhava seu chapéu e sobretudo, acompanhando-o até o hall, onde aguardava instruções e em seguia servia um L'Esprit de Courvoisier, que era degustado com um Cohiba Robusto no jardim lateral.

Após este culto ao prazer solitário, pontualmente às 18 horas e dezessete minutos subia para o banho, se preparando para o cerimonial do jantar, ao som, preferencialmente, de Mozart. Dezenove horas seguia para a sala de jantar, onde independente da presença dos pais, sentava e servia-se, praticamente em silêncio.

Em seguida dava uma pequena volta pela propriedade, acompanhado novamente de um Cohiba Robusto. Recolhia-se aos seus aposentos às 21 horas e doze minutos, para acordar exatamente as cinco e dezenove da manhã, de segunda a segunda, preparando-se para mais um dia de trabalho.

Um dia, e este dia sempre chega, ao descer para jantar, deparou com uma moça lindíssima sentada à mesa. Não se cumprimentaram, apesar de tê-la notado no todo. No dia seguinte, no outro dia, e nos outros seis dias a mesma cena. Até que, sentindo-se mais confiante, dirigiu-lhe a palavra:

- Perdoa-me, mas nos conhecemos?
- Gostaria de fazê-lo?
- Sim, claro. Qual o seu nome?
- Cláudia Marie Versalhes e o seu?
- Carlos Eduardo Rambouillet. Muito prazer em conhecê-la.
- Obrigada. O prazer é todo meu.

Nas noites seguintes, passaram a se cumprimentar pelo nome, sem nenhum diálogo. Passaram-se quinze dias até que tomou a iniciativa de saber o que ela fazia ali.

- Perdoa-me, Cláudia Marie, se estou sendo indelicado, mas o que faz aqui?
- O admiro, Carlos Eduardo!
- (completamente enrubescido) Interessante.

Passaram-se mais sete noites e Carlos Eduardo tem a iniciativa de retornar ao diálogo.

- Considerando o motivo de sua presença, saiba que é admirável.
- Obrigada, Carlos Eduardo.

Quatro jantares depois, em uma noite de tempestade terrível, Carlos Eduardo procurou saber mais sobre a moça.

- Diga-me, Cláudia Marie, sabe o motivo pelo qual meus pais não jantam conosco desde a primeira vez que a vi?
- Sinceramente não sei, Carlos Eduardo.

Três noites depois, sentindo-se mais confiante.
- Você gosta de Mozart, Cláudia Marie?
- Sim, considero um dos maiores compositores clássicos do Ocidente.

Após duas noites passadas, ligeiramente empolgado.
- O que faz depois do jantar, Cláudia Marie?
- Aguardo a senhora sua mãe chegar, conversamos sobre atividades domésticas e responsabilidades do lar, e pontualmente às vinte e duas horas e onze minutos meu pai vem buscar-me.
- Muito bom, gostei de saber. No domingo eu aguardarei sua presença para o almoço.
- Com o maior prazer, Carlos Eduardo.

Domingo, com toda a pompa de um cerimonial de almoço, a convidada é recebida com flores pela governanta, na porta da residência. O mordomo a encaminha até o jardim lateral onde estão os pais e Carlos Eduardo. Este levanta-se, toma-a pela mão, leva de encontro aos dois e anuncia o noivado com data para o casamento em apenas trinta dias.

Comemoram, abraçam, e Carlos Eduardo sente-se o homem mais feliz do mundo. O pai olha com um sorriso enigmático para a mãe e segue o diálogo:

- Caramba, querida, que dificuldade para arrumar uma esposa para este rapaz.
- Mas eu te avisei que Claudinha era capaz disto. Eu a treinei em tudo.
- E nós dois, querida, como ficamos?
- Ora, amor, enquanto a gente não arruma outra caipirinha aí para nosso ménage à troi, Claudinha vai fazendo o meio de campo, até porque ninguém faz meio de campo melhor que ela...
- Eu te amo, querida!
- Eu também te amo, querido! Tudo pelo bem de nossa família!

É isto aí!


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