domingo, 4 de abril de 2021

O Analista da Pitangueira e as perguntas de alto impacto


Boa tarde!

Talvez!

Entre, por favor!

Claro, não pago para ser atendida em pé feito cliente de veterinário.

Já foi atendida por um veterinário?

Doutor, olha o limite entre nós.

Sente-se à cadeira, ou deite no Divã, onde preferir.

No Divã é melhor, sabe, não conseguirei olhar para seus olhos enquanto falo de mim.

Por favor, fique à vontade.

Doutor, olha o limite entre nós, não quero ficar à vontade, quero apenas a sessão.

O que a trás aqui, senhora?

Senhorita, mas pode me chamar de você, mas de um jeito que não ultrapasse o limite.

Certo, o que a trás aqui?

Melhor assim! Então, eu cansei de ser normal, sabe, certinha, rigorosa comigo mesma, imparcial até nas cores. Eu quero ser uma mulher diferente, um símbolo da modernidade líquida, uma figura excêntrica na acepção da palavra.

Defina o que é ser normal, por favor.

Ora, ora, doutor, olha para mim, basta uma simples varredura com sua percepção analítica que verá e constatará que sou normal, normalíssima. Eu apresento um comportamento e aparência que é socialmente aceitável e comum à natureza humana.

Vejo aqui na ficha que a sen, perdão, você nasceu em

Não fale doutor, não fale, não fale. Cale-se sobre isto, é invasão de privacidade.

Ah, perdão. Mudando de assunto, vejo que você foi casa...

Está difícil, isto viu. Minhas questões íntimas e sexuais não tem relação com as perversões daquele tarado que já partiu.

Seu ex-marido era um pervertido sexual?

Claro, o tarado queria dormir de luz apagada, só de calção e ficava lá, aquela coisa, nossa, nem quero lembrar disto.

Quer falar sobre aquela coisa?

Doutor, eu sou normal, não tenho nada além da normalidade, mas cansei. Se o senhor não sabe pegar uma pessoa normal e fazer dela uma pessoa excêntrica, então vou atravessar a rua e ...

E???

Sentar no meio fio e chorar até o senhor ir lá e me fazer excêntrica.

Hummm, veja, Nietzsche, por exemplo, disse que “O valor de todos os estados mórbidos consiste no fato de mostrarem, com uma lente de aumento, certas condições que (...) são dificilmente visíveis no estado normal”. Talvez se fizer isto ...

Não saio daqui, não saio daqui, alguém, por favor, tranca a porta, não me deixem sair daqui, eu sou normal, eu sou normal

Calma, ninguém irá tira-la daqui. Calma! Saiba que é impossível definir uma excentricidade baseada num critério puramente quantitativo, sendo necessário apelar para o discurso sobre seu desejo, ou seja, da ideia que você tem de um estado ideal que gostaria de atingir e que a sua normalidade a impede de alcançar.

Ah, é isso? Então, pode perguntar o que quiser.

Sua idade?

Espera lá, doutor, espera lá, não vale perguntas de alto impacto por enquanto ...

É isto aí!


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