domingo, 27 de abril de 2014

Helena da Pitangueira


A tarde em Bangu era de calor insuportável. Dentro do salão do Fórum estava um clima abafado com a lotação completa entre curiosos, parentes e amigos. O ar condicionado estava com baixa potência, devido a uma queda de tensão no bairro, para agravar a sensação térmica.

O Meritíssimo adentrou solenemente pela porta lateral. Acomodou-se em seu local de trabalho, ajustou os óculos e passou a checar a presença das partes.

Tendo comparecido o acusado, o juiz perguntou-lhe o nome e a idade.
- Estácio Vale, Meritíssimo, e tenho 36 anos.

Voltando-se para os jurados, o Juiz fez a seguinte exortação: “Em nome da lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão de acordo com vossa consciência e os ditames da justiça”.

Os jurados, nominalmente chamados pelo juiz, responderam: “Assim o prometo”

O juiz interrogou o réu sobre fatos, provas e outras questões relacionadas ao crime, em uma tentativa de elucidação, e perguntou se era ele o autor do crime.

- Meritíssimo, nada sei sobre nada. Sei sobre Helena, que era uma vadia.

Vaias, gritos, e o martelo bate com força na mesa - Ordem, ordem!!

A acusação apresenta as provas:

Helena era bailarina, e sentia-se  culpada por ter se distanciado de um dos filhos gêmeos que teve com o senhor Estácio Vale. Por não ter condições de criar os dois, ficou a menina e entregou o outro aos pais, que o levaram para fora do país.

Mas estava sempre em busca da felicidade, e como era uma bela moça interiorana, quando ficou grávida e fugiu para Bangu, disposta a criar a filha, sozinha, já que o pai da criança, o réu, era casado e portanto adúltero. Os dois se reaproximaram ao longo da trama da vida.

Esta história não parou aí.  Foi à luta como corretora de imóveis, batalhadora, de pouca vaidade. Enfrentou a gravidez prematura da filha e, por conseqüência, a ira do ex-amor, que não se conformou com a situação.
Por Amor, mãe e filha, engravidaram juntas e deram à luz no mesmo dia, no mesmo hospital. O bebê da filha morreu logo após o parto, e Helena trocou as crianças.

Isto prova que os fortes laços de família aos quais viveu, fez com que a vítima abdicasse  do amor pelo rapaz, que engravidou ambas, por causa da filha, que também gostava dele.

Como uma mulher apaixonada, casou-se com um músico, mas ficou abalada ao descobrir que ele tinha outras questões de gênero mal resolvidas, e nesta desordem, reencontrou-se com o réu, seu grande amor do passado.

Assim, construiu as páginas da vida que teve entre seus amigos e parentes, intensamente. Meritíssimo, ninguém sofreu mais que Helena, que ávida por viver a vida, deparou-se com a tragédia diante deste monstro da sociedade. 

A defesa rebate:

Meritíssimo, senhores membros do Juri, temos que conhecer Helena desde a sua origem. Conta-se que o Conselheiro Vale, que era um homem rico,  tinha um caso amoroso com uma mulher que havia migrado do Rio Grande do Sul, já com uma filha, Helena, a qual ele estimava muito.

Conselheiro Vale morreu, e em seu testamento documenta que Helena era sua filha e que ela devia tomar seu lugar na família. Todos acreditaram nisso, porém Helena sabe que não é verdadeiramente sua filha, mas na sua ânsia de ascender socialmente acaba aceitando isso.

À princípio, a irmã do falecido reage com um certo preconceito à chegada de Helena, mas no decorrer da vida, ela vai conquistando o seu amor. Estácio era um bom filho, e fez a vontade do pai sem indagar nada.

Helena tomou seu lugar na família como uma mulher de fibra, uma verdadeira dona de casa, cuidando muito bem de sua nova família, dirigindo bem e a casa, e impressionava não só a família como toda a sociedade em geral, porque além de ser uma mulher equilibrada como poucas que existiam, era linda, sensível e rica.

Com isto, Helena vai impressionando mais e mais a Estácio, e nisso acaba se apaixonando por ela, e ela por ele. Aí vem a questão, senhores:

 De um lado Estácio, se martirizando por se apaixonar por sua suposta irmã, o que era um pecado, e do outro Helena, também apaixonada por Estácio, w esta sabia de toda verdade, mas não podia jogar tudo para o alto e ficar com ele, afinal havia recebido uma fortuna de herança. 

Um dia Estácio resolveu investigar estranhas saídas de Helena, e assim conheceu Salvador, e foi tirar satisfações sobre as visitas dela a este senhor já velho. Salvador começou a lhe contar uma grande história, e surpreendeu Estácio ao lhe revelar que Helena era sua filha, não de Conselheiro Vale, e toda a História da vida de Helena até ali.

Nesse mesmo dia Helena após uma forte chuva fica debilitada, á beira da morte, Estácio, tomado por seu forte amor vai cuidar de Helena e lhe faz essa declaração. Helena morreu de causas naturais, e não da forma nefasta como querem os advogados da acusação e a promotoria.

Os jurados:

Esgotadas as teses, os jurados votaram nos quesitos formulados. Todos os votos contabilizados, com base no que os jurados decidiram é entregue ao Juiz.

- Chegaram a um veredito?
- Sim Meritíssimo, e entregam o envelope.

A sentença:

Esta corte determina que o réu é inocente, baseado no princípio de que Machado de Assis dá de 11X0 no cidadão lá das helenas moderninhas.

É isto aí!

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