domingo, 29 de setembro de 2013

O Baby Doll de Cassandra


O dono da Companhia de Astros Pitanguis era Jorge Jesuíno Jacarandá, o popular Jiló. Dizem que em fotos dos anos 70/80, olhadas assim rapidamente, sempre fazem as pessoas acreditarem que era um dos mais famosos diretores da TV Globo daquela época. A semelhança era tal que este mesmo diretor permitiu certa vez, na porta do Copacabana Palace, quando Jiló morava no Rio e vendia picolé na praia, uma foto para que pudesse ficar registrada a incrível paridade entre os dois.

Jiló, assim que pode, enviou a foto para o Reino da Pitangueira, explicando que aquele era seu meio-irmão por parte de pai, e que não fazia nada na TV sem a sua anuência. Foi a maior festa.

Mas seu momento épico de artista internacional deu-se quando, em cadeia nacional no vizinho reino tupynambá, foi ser entrevistado por uma desavisada repórter da TV Rio, que o confundiu com o aludido diretor, na porta da famosa boate de Nelson Motta, a Frenetic Dancing Days Discothèque, e no afã de um furo de reportagem perguntou-lhe se estava ali procurando inspiração para sugerir a próxima novela da Globo.

Respondeu com um ar intelectual inexpugnável, que poderia sim, baseado no que já havia lido de uma peça de Janete Clair, conseguir ali uma luz às suas idéias, e repassá-las aos escritores da rede. O que Jiló esconde até hoje é que nada sabia sobre teledramaturgia, e que aquela novela viria a fazer grande sucesso como homônima à casa de espetáculos, e assim deixou rapidamente a reportagem, pois estava super atrasado para trabalhar na cozinha.

Jiló nunca ouviu falar sobre Janete Clair, nem ao menos a conhecia, mas como auxiliar do garçom de um dos restaurantes mais requintados dos anos 70, o Real Astoria, ouviu uma semana antes, uma animada conversa em uma farta mesa de notórios, famosos e anônimos, sobre esta possibilidade de transformar um conto dela - A prisioneira, em uma novela da Globo.

Mas como o que vale é o que fica registrado, Jiló ficou famoso em Pitangueira como pessoa de enorme influência no meio artístico do Rio de Janeiro. Ganhou medalha, diploma, coral de recepção na Rodoviária, homenagem da Câmara Real, da Escola onde estudou, Banda de Música fazendo alvorada, etc.

Foi nesta época que teve a ideia de fazer uma novela a ser apresentada nos circos mambembe, com produção, direção, criação, figurino e iluminação sob a sua responsabilidade. Levou 20 anos para concluir a peça, e para atualizar o projeto, e custou para achar o nome:  "O Baby Doll de Cassandra".

Como atriz principal, colocou sua amante Marinete Miramorte. E assim, como em um conto de fadas, a periferia nunca mais foi a mesma. Ninguém nunca havia assistido a uma produção tão ruim, tão ridícula e tão mal feita em comparação a todas as ali representadas. Desta forma, Jiló estourou nas paradas de sucesso da periferia, e confirmou sua fama de astro do Rio de Janeiro.

As pessoas lotavam as arquibancadas enferrujadas e empoeiradas, sob lonas sujas e mofadas, para rir e delirar com tanta bobagem medíocre. Mas quanto a Jiló, acreditava que ali estava a arte e o melhor, encenada por Marinete, o amor oculto de sua vida.

Entrevistado pelo Diário Real da Pitangueira, deu-se o seguinte diálogo:

- Jiló, como você conseguiu imaginar e criar uma obra desta envergadura e com este sucesso de público, apesar de todas as críticas da imprensa especializada?
- Bem, baseado em minha larga experiência profissional no Rio de Janeiro, entendi que poderia fazer uma adaptação de um dos grandes gênios da literatura mundial, o Ilian Xeiqspirre.
- Uau, que coisa interessante. Bem, em qual obra de Willian Shakespeare você se baseou?
- A Tempestade. (e saiu correndo antes que a repórter prosseguisse).

 Jiló não poderia responder o que não sabia, nunca leu um livro e guardou este nome de uma folhinha do Calendário do Sagrado Coração de Jesus, e lendo a sinopse imaginou uma obra que passa numa ilha remota, no mar da Pitangueira, onde Juquinha, Mestre Sala da escola de Samba da Pitangueira por direito, planeja casar sua filha vadia, Cassandra, com seu sobrinho Mc Ferdye, filho de Geraldinho e Epônima Tempestade, utilizando-se de ilusão e manipulação.

Juquinha então seduz a gostosona da cunhada Epônima Tempestade, uma mulata escultural, visando assim atrair a ira do seu irmão Geraldinho, que lhe usurpou a posição de Mestre Sala, e seu cúmplice, Kleberson, o Rei da Bateria do Irajá, para a ilha.

Uma vez na ilha, suas maquinações acabam por revelar a natureza vil de Geraldinho, agora um corno apaixonado, provocando a redenção do rei. Neste meio tempo há o romance tórrido de Cassandra com Mc Ferdye, que não tem diálogo na história.

Kleberson e Geraldinho criam então uma dupla sertaneja; Juquinha se apaixona por Epônima e assume que também gosta de ser corno, e Cassandra tira o baby doll de nylon todas as noites no Pole Dance da arena de Mc Ferdye

É isto aí!


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