terça-feira, 29 de abril de 2014

O menino virado e o compadre Nestor

Tiãozinho foi o primeiro e único namorado de Maria das Dores, a Dasdô. Casaram muito novos e foram morar em um sobrado do pai dele, sem laje, com forro de esteira nos cômodos e telha de coxa, do tempo da escravatura.

A sala e cozinha enormes e quartos pequenos era padrão comum na arquitetura local. A residência era vizinha da propriedade do compadre Nestor, pai de Cacá, de quem batizaram quando ainda namoravam.

Naquela manhã fria, Tiãozinho e Dasdô sairam cedo da roça e foram ao Posto de Saúde, na cidade, para entregar os exames que o médico pedira. Examinou cuidadosamente a parturiente, olhou o ultrassom, deu uma conferida no hemograma, aferiu a pressão, etc..

- E aí, dotô? O neném está bem?
- Dona Maria, está bem, mas estamos na 30ª semana e ainda não virou. A complicação é que a senhora é nulípara, e isto deve ser acompanhado mais de perto.

- Ai meu Jesuscristinho, valei-me.. é grave dotô esta tal de nulipa? Nossinhora! Guardô o nome, Tiãozinho? A tal de nulipa...

- Nulípara, dona Maria, mas não se preocupe, quando entrar em trabalho de parto nos procure. Vai dar tudo certo.

Dasdô entrou em trabalho de parto às onze horas, em casa, num dia de chuva torrencial. Ponte bloqueada, árvores na estrada, enfim, nada passava. Casal novo, inexperiente, Tiãozinho correu na casa do vizinho, compadre Nestor, para ir buscar Zeferina, parteira das antigas do vilarejo.

Quando Zeferina chegou, lá pelas três horas da tarde, com chuva que não acabava mais, trazendo seus apetrechos de parto, a sala já estava tomada de rezadeiras, todas de véu, entoando cânticos religiosos.

...os anjos, todos os anjos, louvem a Deus para sempre amém...

Zefa entrou no quarto e viu Dasdô transtornada, chorando muito, olhos arregalados. Ai, Zefa, vou morrer, o dotô falou que tenho uma tal de nulípa dentro de mim... vou morrer Zefa... e gritava... gritava... salva a criança Zefa... e gritava mais ainda...

 ...tão sublime sacramento, adoremos neste altar, pois o antigo testamento, deu ao novo seu lugar...

Seis horas da tarde - olha Dasdô, com esta chuva não tem jeito de te levar a lugar algum, o neném está sentado e ainda tem esta coisa de você está com esta nulípa aí dentro, vou tentar desvirar o menino...

...ave, ave, ave maria... ave ave, ave maria

A cantoria não parava, as mulheres choravam, rezavam , conversavam e entoavam os hinos tudo ao mesmo tempo. Na cozinha os homens fumavam, bebiam, falavam sobre futebol, roçado, vacada e política. Meia-noite e Dasdô começa a perder as forças, quer desmaiar, tem sono, e ao mesmo tempo grita de dor em desespero - vou morrer.. vou morrer...

Faz um pedido prá Nossa Senhora, Dasdô, faz uma promessa, prá modo de desvirar a criança, gritava Zefa.

... eu te louvarei, Senhor, de todo o meu coração...

Faz o pedido, Dasdô, faz uma promessa agora, prá Deus tirar esta tal de nulipa de dentro de você e salvar a criança.

Ai, meu Deus, eu faço, eu peço, eu prometo...

Silêncio total na casa, parou tudo. Só o barulho da chuva fraquinha...

Aos gritos, Dasdô promete: Ai Jesus, se eu sair desta, prometo que nunca mais deito com o compadre Nestor...

O menino virou na hora, desceu que nem quiabo.

É isto aí!

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