sábado, 5 de abril de 2014

A vida não é um conto de fadas, meu bem!


Clementina saiu cedo de casa naquela manhã nublada. Estava ansiosa para encontrar com Olga, a vidente russa que tinha o poder de transformar a vida das pessoas. Conseguira este endereço de uma moça desconhecida que encontrou no ônibus, que se dizia colega de uma colega do telemarketing onde Clementina trabalhava. A moça, transparecendo confiança, ofereceu excelentes credenciais da mulher que revelaria seus sonhos e seu futuro.

Guardou o cartão por muitos dias com o anúncio dos serviços prestados. Resolveu ligar para o número do telefone e agendou o encontro que deveria mudar sua vida. Queria casar, ter filhos e um marido apaixonado e dedicado.

Era terça-feira e naquele mesmo horário quando deveria estar sentada em sua cadeira de trabalho, caminhava para saber do seu futuro, ao trocar o turno com a melhor amiga, Aninha Silva, abrindo mão da sua folga semanal, numa pequena negociação de rotina.

Chegou ao endereço com certa facilidade. Chamou no interfone, identificou-se e um elegante mordomo ao melhor estilo imperial abriu  a porta lentamente, convidando-a para entrar. Na pequena sala pediu que tirasse os sapatos, celular, relógio, cordão, pulseiras, anéis - guardou-os em uma caixa de veludo vinho e deu-lhe um pesado casaco. Após isto, abriu a porta da próxima sala, onde acomodou-a em um único e enorme sofá azul turquesa intenso. Agradeceu a acolhida. Ficou só e viajando em seus pensamentos e desejos naquele exótico ambiente.

O local era intrigante. No teto existiam tubos neon, com alta intensidade de iluminação em tons magenta, azul e laranja; as paredes eram revestidas de espelho liso perfeito, caprichosamente limpo até o teto. O piso, de porcelanato polido sem textura, completava  a impressão de um vazio espacial irritantemente silencioso. Além disto, o ar congelante promovia uma sensação térmica glacial que penetrava ao mais íntimo interior.

Não sabe quanto tempo ficou ali. Uma porta espelhada abriu lentamente, e uma voz feminina de origem desconhecida convidou-a a entrar. Na próxima sala, maior que a anterior, o mordomo reapareceu, solicitou o casaco, pediu que trocasse a roupa, num closet lateral e vestisse uma túnica indiana de seda, toda negra, de mangas compridas e comprimento até a metade de suas graciosas pernas, com uma barra bege de renda persa. Entregou-lhe uma pantufa de coelhinhos marrons. Achou graça naquilo. Abriu a porta que dava a um corredor com quatro portas, duas de cada lado.  Indicou-lhe  a segunda porta à esquerda.

Entrou em uma sala aconchegante, de temperatura agradável, iluminação fraca, janelas até o chão, dando para um jardim florido, com duas poltronas imensas, uma preta e a outra amarela e no assoalho um enorme e macio tapete de lã, em tom pastel. No canto, uma mesa com água, biscoitos e chá. Nas duas paredes laterais à porta de entrada, um quadro tridimensional ocupando toda a área, com uma mulher nua em pose sensual, em cada uma delas. Na porta oposta, semi-aberta, um banheiro, para onde se dirigiu imediatamente. 

Voltou do banheiro deslumbrada com tudo que viu lá dentro, bebeu água, sentou, levantou, bebeu chá, sentou, levantou foi ao banheiro, sentou, levantou, bebeu água, comeu os biscoitos, andou em volta da sala, abriu a porta para o corredor vazio, voltou, sentou, foi ao banheiro, voltou ao corredor, entrou de novo, sentou e dormiu. Teve experiência oníricas as mais variadas, a maioria agradável aos seus sentimentos.

Em destes sonhos um rapaz aparece completamente nu à sua frente, mas ela não se assusta. Se entrega à volúpia e ao prazer que aquele instante proporciona. Duas, três, quatro vezes em um tempo inimaginável, experimentam todo o clímax da libido, permitida aos mortais. Demora a sair daquele ambiente romântico, não quer acordar mais, porém a inevitável situação do despertar ocorre e percebe que está sentada na grande poltrona amarela e à sua frente, na poltrona negra, uma esbelta senhora, na faixa dos quarenta anos, a olhá-la com intensa curiosidade. 

- Olá Clementina, como está?

Não consegue falar. Entre assustada e anestesiada pela experiência, custa a entender se aquilo é real ou ainda é um sonho. Fecha os olhos novamente, e acorda desesperada com o despertador do celular. Estava em casa. Olhou para o relógio - marcava seis horas. Levantou, espreguiçou, tomou banho, saiu, tomou seu café e no caminho para o serviço resolveu olhar para o celular. Era quarta-feira. Vinte e quatro horas haviam se passado desde a ida à vidente.

Havia uma mensagem. Abriu e lá estava escrito: A vida não é um conto de fadas, meu bem! Intrigada, voltou ao endereço. Para surpresa e desolação, não existia aquele número, ninguém sabia sobre Olga, chegou ao serviço, perguntou à colega que foi citada pela moça do ônibus como referência - nunca ouvira falar sobre aquilo.

Clementina resolveu esquecer aquela experiência. Enamorou-se por meses de Teodoro Virgulino, um paraibano da portaria do prédio da empresa. Noivaram outros meses e marcaram o casamento. No dia tão esperado, ao chegar à igreja é informada que Teodoro fugiu para João Pessoa, com Aninha Silva, sua melhor amiga. Arrasada, volta para casa em seu alugado vestido de noiva. Dentro do metrô, uma moça se aproxima e entrega-lhe um cartão...

Clementina sumiu, nunca mais foi vista. Dizem que foi viver seu sonho dentro de um conto de fadas...

É isto aí!    





2 comentários:

  1. Boa tarde,precioso amigo, Paulo Abreu!

    Fico extremamente feliz com teu retorno, sou um seguidor antigo de seu blog.
    e confesso que senti muito tua falta... teus contos me agradam muito.
    Um grande abraço
    Sinval

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    Respostas
    1. Olá Sinval! Com alegria recebo sua visita a esta Pitangueira! E vamos que vamos!

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Gratidão!