quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Jogo da Amarelinha, capítulo 7 (Julio Cortázar)


(Brigitte Bardot e Alain Delon 1961)

Toco a sua boca com um dedo, 
toco o contorno da sua boca, 
vou desenhando essa boca 
como se estivesse saindo da minha mão, 
como se, pela primeira vez, 
a sua boca entreabrisse, 
e basta-me fechar os olhos 
para desfazer tudo e recomeçar. 

Faço nascer, de cada vez, 
a boca que desejo,
a boca que minha mão escolheu 
e desenha no seu rosto, 
uma boca eleita entre todas, 
com soberana liberdade, 
eleita por mim para desenhá-la 
com minha mão 
em seu rosto, e que, por um acaso, 
que não procuro compreender, 
coincide exatamente com a sua boca, 
que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você. 

Você me olha, de perto me olha, 
cada vez mais de perto, 
e então brincamos de ciclope, 
olhamo-nos cada vez mais de perto 
e nossos olhos se tornam maiores, 
se aproximam uns dos outros, 
sobrepõe-se, e os ciclopes se olham, 
respirando confundidos, 
as bocas encontram-se e lutam debilmente, 
mordendo-se com os lábios, 
apoiando ligeiramente a língua nos dentes, 
brincando nas suas cavernas, 
onde um ar pesado vai e vem, 
com um perfume antigo e um grande silêncio. 

Então as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, 
acariciar lentamente a profundidade 
do seu cabelo, 
enquanto nos beijamos 
como se estivéssemos com a boca cheia 
de flores ou de peixes, 
de movimentos vivos, de fragrância obscura. 

E se nos mordemos, 
a dor é doce; 
e se nos afogamos num breve 
e terrível absorver simultâneo de fôlego, 
essa instantânea morte é bela. 

E já existe uma só saliva 
e um só sabor de fruta madura, 
e eu sinto você tremular contra mim, 
como uma lua na água.


O jogo da Amarelimha é um dos clássicos da Literatura Mundial, leitura imperdível e atemporal.





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